Beber vinho à noite faz bem? Descubra o que dizem os estudos recentes

A imagem de uma taça de vinho ao final do dia está profundamente enraizada na cultura de muitas sociedades, frequentemente associada a um momento de relaxamento, sofisticação e prazer gastronômico. Este hábito é praticado por milhões de pessoas que buscam uma transição suave entre a agitação do dia de trabalho e a tranquilidade da noite.

Por décadas, essa prática foi não apenas socialmente aceita, mas também incentivada por estudos que sugeriam potenciais benefícios à saúde. A ideia de que o consumo moderado de vinho, especialmente o tinto, poderia proteger o coração e prolongar a vida, ajudou a solidificar a imagem da bebida como uma escolha saudável entre as opções alcoólicas.

Contudo, o cenário científico é dinâmico, e pesquisas mais recentes começaram a questionar essas conclusões. Novas evidências apontam para os efeitos negativos do álcool, mesmo em pequenas doses, sobre aspectos fundamentais da saúde, como a qualidade do sono e o risco de desenvolvimento de certas doenças, gerando um debate complexo.

Diante de informações por vezes contraditórias, é fundamental analisar o que a ciência atual diz sobre o hábito de beber vinho à noite. A compreensão dos seus reais efeitos no organismo, dos benefícios de seus compostos e dos riscos associados ao álcool é o caminho para uma decisão mais consciente sobre o seu consumo.

Por que muitas pessoas preferem beber vinho à noite

O consumo de vinho no período noturno está fortemente ligado a fatores culturais e psicológicos. Para muitos, a bebida simboliza o encerramento das obrigações diárias e o início de um tempo dedicado ao descanso e ao lazer. O ritual de abrir uma garrafa e degustar uma taça funciona como um marcador de transição, ajudando a desligar a mente das preocupações do trabalho.

A percepção de que o vinho ajuda a relaxar tem uma base fisiológica. O álcool é um depressor do sistema nervoso central, e seu efeito inicial pode, de fato, diminuir a ansiedade e induzir uma sensação de calma. Essa propriedade sedativa é o que leva muitas pessoas a acreditarem que uma taça de vinho pode ser um auxílio para adormecer mais facilmente.

Além do efeito químico, a experiência sensorial do vinho contribui para seu apelo noturno. Os aromas, os sabores e a harmonização com o jantar criam um momento de prazer e conforto. Esse conjunto de sensações positivas é buscado como uma forma de recompensa e autocuidado após um dia longo e, por vezes, estressante.

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O que acontece no corpo ao consumir vinho no fim do dia

Imediatamente após o consumo, o álcool presente no vinho começa a agir no cérebro. Ele aumenta a atividade do ácido gama-aminobutírico (GABA), um neurotransmissor que inibe os impulsos nervosos e promove um efeito calmante. É essa ação que gera a sonolência inicial e a sensação de relaxamento que muitos associam à bebida.

No entanto, à medida que o fígado metaboliza o álcool ao longo da noite, ocorre um “efeito rebote”. O organismo, tentando compensar a sedação inicial, aumenta a produção de neurotransmissores estimulantes. Isso faz com que o sono na segunda metade da noite seja mais leve, agitado e interrompido, prejudicando sua função restauradora.

Fisiologicamente, o álcool também provoca outras alterações. Ele causa um aumento da frequência cardíaca durante o sono, impedindo que o sistema cardiovascular entre em seu estado natural de repouso noturno. Adicionalmente, o relaxamento dos músculos da garganta pode intensificar o ronco e agravar quadros de apneia do sono.

Estudos recentes sobre os efeitos do vinho no sono e no coração

A noção de que o álcool, mesmo em doses moderadas, prejudica o sono é sustentada por diversas pesquisas. Um estudo finlandês publicado na revista JMIR Mental Health (mental.jmir.org), que analisou dados de mais de 4.000 adultos, constatou que o consumo de apenas uma dose de álcool foi capaz de reduzir a qualidade do sono em 9,3%.

A análise da arquitetura do sono mostra que o álcool suprime a fase REM (Movimento Rápido dos Olhos) no início da noite. Essa fase é fundamental para a consolidação da memória, o aprendizado e a regulação emocional. A sua supressão, seguida de um sono mais fragmentado, explica por que muitas pessoas acordam cansadas e com a sensação de não terem descansado, mesmo após beberem pouco.

Em relação à saúde do coração, a narrativa também tem mudado. Estudos mais recentes apontam que muitas das pesquisas antigas que mostravam benefícios em bebedores moderados não levaram em conta fatores de estilo de vida. Pessoas que bebem vinho com moderação tendem a ter, em média, uma dieta mais saudável, praticar mais exercícios e ter melhor condição socioeconômica, fatores que, por si sós, protegem o coração.

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Vinho tinto faz bem mesmo? O papel dos antioxidantes como o resveratrol

A fama do vinho tinto como uma bebida saudável está amplamente ligada à presença de polifenóis, como o resveratrol. Este composto, encontrado na casca das uvas escuras, possui propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias que, em estudos de laboratório, demonstraram ter efeitos protetores sobre as células.

No entanto, é preciso colocar essa informação em perspectiva. A quantidade de resveratrol presente em uma taça de vinho é relativamente baixa. Para que uma pessoa ingerisse a dose de resveratrol utilizada na maioria dos estudos que apontaram benefícios significativos, seria necessário consumir um volume de vinho considerado prejudicial à saúde devido ao teor alcoólico.

Além disso, o resveratrol e outros polifenóis benéficos não são exclusivos do vinho. Eles podem ser encontrados em abundância e de forma segura em outros alimentos, como as próprias uvas, suco de uva integral, mirtilos, amendoim e chocolate amargo. Portanto, não é necessário consumir álcool para obter esses antioxidantes.

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O resveratrol, um antioxidante presente na casca das uvas tintas, é frequentemente citado como o responsável pelos supostos benefícios do vinho – Crédito: freepik / Freepik

Beber vinho antes de dormir engorda ou ajuda a relaxar?

A resposta para essa pergunta é complexa. O vinho pode, de fato, induzir ao relaxamento inicial, mas, como visto, esse efeito é temporário e o custo é uma piora na qualidade geral do sono. Usá-lo como um auxílio para dormir é uma estratégia ineficaz a longo prazo e pode mascarar problemas subjacentes, como insônia ou ansiedade.

Do ponto de vista calórico, o vinho não é uma bebida neutra. O álcool contém cerca de 7 calorias por grama, e a maioria dos vinhos também possui açúcares residuais. O consumo regular de uma ou duas taças por noite, sem o devido ajuste na ingestão calórica total, pode contribuir para o ganho de peso gradual ao longo do tempo.

Adicionalmente, o consumo de álcool pode afetar o metabolismo e o comportamento alimentar. Ele pode diminuir a inibição, tornando mais provável a escolha por lanches noturnos pouco saudáveis. O corpo também prioriza a metabolização do álcool, o que pode alterar temporariamente a forma como ele processa gorduras e carboidratos.

Quantas taças de vinho são consideradas seguras por dia

As diretrizes sobre o consumo de álcool variam entre os países, mas a tendência global das organizações de saúde é a de recomendar cada vez mais moderação. A mensagem de que “quanto menos álcool, melhor” tem ganhado força, com base em evidências que associam o consumo, mesmo que baixo, a um aumento no risco de certas doenças.

Tradicionalmente, as recomendações para quem opta por beber estabelecem um limite de até uma dose padrão por dia para mulheres e até duas doses para homens. Uma dose padrão de vinho é definida como aproximadamente 150 ml. É importante frisar que esses limites não são uma meta a ser atingida, mas um teto para minimizar riscos.

A noção de um consumo “100% seguro” de álcool tem sido desconstruída. A Organização Mundial da Saúde – OMS (who.int/pt) e outras entidades afirmam que não existe um nível de consumo de álcool que seja isento de riscos à saúde. A decisão de beber ou não deve levar em conta essa informação e os fatores de risco individuais.

Vinho pode substituir medicamentos ou suplementos naturais?

A resposta para esta pergunta é um enfático não. O vinho, ou qualquer outra bebida alcoólica, jamais deve ser utilizado como substituto para medicamentos prescritos por um profissional de saúde. Tentar tratar condições como ansiedade, insônia ou problemas cardíacos com álcool é uma prática perigosa e ineficaz.

O álcool pode interagir de forma perigosa com uma vasta gama de medicamentos. Ele pode potencializar o efeito de sedativos e ansiolíticos, diminuir a eficácia de antibióticos e antidepressivos, e sobrecarregar o fígado quando combinado com outras substâncias metabolizadas pelo mesmo órgão, como o paracetamol.

Da mesma forma, o vinho não substitui suplementos. Embora contenha resveratrol, a forma mais segura e eficiente de obter os benefícios desse composto é por meio de suplementos específicos ou do consumo de alimentos ricos no antioxidante. A suplementação permite uma dosagem controlada e livre dos efeitos deletérios do álcool.

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Quem deve evitar o consumo noturno de bebidas alcoólicas

Certas pessoas devem evitar completamente o consumo de álcool, especialmente à noite. Isso inclui indivíduos com histórico de alcoolismo, doenças hepáticas (como cirrose ou esteatose), pancreatite, certas arritmias cardíacas e transtornos de humor não controlados.

Mulheres grávidas ou que estejam tentando engravidar devem se abster totalmente do álcool. O consumo durante a gestação está associado a sérios riscos para o feto, incluindo a Síndrome Alcoólica Fetal, que pode causar danos neurológicos e físicos irreversíveis. A substância também passa para o leite materno.

Adicionalmente, pessoas que sofrem de distúrbios do sono, como insônia crônica ou apneia do sono, devem evitar bebidas alcoólicas à noite, pois elas certamente agravarão seus quadros. O mesmo se aplica a qualquer pessoa que precise operar máquinas, dirigir ou estar em estado de alerta máximo na manhã seguinte.