Violência no Rio afeta aprendizagem de estudantes, mostra estudo

Os efeitos da violência nas comunidades do Rio de Janeiro vão muito além da tragédia humana. Um estudo recente revela que essa realidade impacta diretamente o aprendizado dos estudantes em escolas situadas em áreas afetadas. A situação é alarmante: o desempenho em língua portuguesa despenca para menos da metade do que é esperado, e em matemática, é como se os alunos não tivessem aprendido nada.

Este levantamento inédito foi baseado nas experiências de diretores de escolas, coletadas por meio de um aplicativo da Secretaria Municipal de Educação. O estudo, intitulado O Impacto da Guerra às Drogas na Educação das Crianças das Periferias do Rio de Janeiro, foi publicado na revista Dados, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Impacto no Aprendizado

Os dados mostram que, ao chegarem ao 5º ano do ensino fundamental, alunos de escolas localizadas em áreas com alta incidência de violência — seis ou mais episódios anualmente — aprendem 65% menos do que deveriam em língua portuguesa. Em matemática, o prejuízo é ainda mais grave: equivale à perda de um ano inteiro de aprendizado. No total, 32 escolas foram identificadas nessa situação, destacando como a violência afeta profundamente o desenvolvimento educacional das crianças.

O professor Tiago Bartholo, um dos autores do estudo e especialista em educação na UFRJ, explica que os estudantes nessas escolas enfrentam diversos obstáculos.

“As escolas ficam fechadas por um bom tempo, não podem operar devido à violência. Também percebemos um aumento nas faltas, tanto de alunos quanto de professores, em dias de conflito ou no dia seguinte”, observa.

Bartholo ainda destaca que a violência causa efeitos prejudiciais à capacidade de aprendizado das crianças. O estresse que elas sentem, junto com problemas de sono, impacta de forma significativa seu desempenho.

Análise dos Dados

Para realizar a análise, os pesquisadores usaram informações do aplicativo Fogo Cruzado, que coleta dados sobre tiroteios e disparos de armas, combinadas com o desempenho dos alunos na Prova Brasil — uma avaliação que mede o conhecimento em língua portuguesa e matemática.

Bartholo ressalta que o diferencial deste estudo é que ele considerou pela primeira vez os relatos diretos dos diretores sobre a violência nas escolas, informações que não estão mais acessíveis, mas que trouxeram precisão ao estudo.

“Os diretores podem fornecer detalhes valiosos sobre os efeitos da violência nas escolas”, explica.

Para chegar aos resultados, as escolas em áreas violentas foram comparadas com outras similares em termos de infraestrutura e condições socioeconômicas. Isso ajudou a isolar o impacto da violência no aprendizado.

O período analisado foi 2019, escolhido para evitar a influência das interrupções causadas pela pandemia em todo o país, especialmente em populações vulneráveis.

Impactos ao Longo da Vida Escolar

O estudo também mostrou que a violência nas comunidades está ligada a uma diminuição média de 7,2 pontos em língua portuguesa e 9,2 em matemática, especificamente no 5º ano, segundo a escala do Saeb. Para dar uma ideia melhor, um ano de estudos em língua portuguesa corresponde a 11,2 pontos e em matemática a 8,5 pontos.

Essas perdas não são um fenômeno isolado de um único ano; os alunos que vivem nesse contexto enfrentam dificuldades ao longo de toda a sua trajetória escolar. Isso fica evidente quando realizam a Prova Brasil.

“Essas diferenças são relevantes e mostram que a situação merece uma atenção especial do poder público”, aponta Bartholo.

Além de Bartholo, o estudo conta com as contribuições da professora Mariane Koslinski, do professor Ignacio Cano, e das doutorandas Rachel Machado e Mariana Siracusa.

Educação Sob Cerco

Um relatório divulgado em maio deste ano, intitulado Educação Sob Cerco: as escolas do Grande Rio impactadas pela violência armada, constatou que cerca de metade dos estudantes do ensino fundamental e médio, em escolas públicas da região, sofre as consequências desse cenário violento. Isso representa cerca de 800 mil crianças e adolescentes, em 1,8 mil escolas públicas da capital e de mais 19 municípios da área metropolitana.

A pesquisa revelou que, na capital, mais da metade das escolas estão em áreas dominadas por facções, com 28,4% em regiões controladas por milícias e 30% por tráfico de drogas. Em 2022, foram registrados mais de 4,4 mil tiroteios nas proximidades de escolas, muitas vezes sem qualquer operação policial.