Primeiro açude do Brasil, construído em 1890, ainda opera

No final do século XIX, o Brasil embarcou em um projeto audacioso para enfrentar os períodos de seca que tanto afligiam o nordeste. Sem máquinas pesadas, mas com muita força humana e ferramentas manuais, começou a construção do primeiro grande açude público do país: o Açude Cedro.

Essa obra, erguida inteiramente com blocos de pedra, não apenas modificou a engenharia brasileira, mas também transformou a maneira como o país lida com a escassez de água. Localizado em Quixadá, no Ceará, o Açude Cedro é mais do que um reservatório; é um símbolo da luta do povo sertanejo contra a seca.

### Uma resposta à seca de 1877

O projeto do Açude Cedro surgiu em resposta à severa seca entre 1877 e 1879, que causou uma tragédia imensa, resultando em milhares de mortes e o deslocamento de muitas famílias. Diante dessa calamidade, o imperador Dom Pedro II determinou a criação de obras para armazenar água e evitar futuras crises hídricas.

A ideia de construir o Cedro começou a ganhar forma no final do século XIX, quando engenheiros começaram a estudar a melhor localização para um grande reservatório no interior do Ceará. A escolha do local se deu por causa do relevo favorável e o riacho perene chamado Riacho do Cedro.

### Início das obras e desafios

As obras começaram oficialmente em 1890, sob a supervisão de engenheiros formados pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro. O recém-criado Inspetorado de Obras Contra as Secas também deu suporte ao projeto, que depois se tornaria DNOCS.

O curioso é que tudo foi feito manualmente. Sem a ajuda de máquinas, os trabalhadores usavam apenas ferramentas simples e tração animal. A estrutura foi construída com blocos de pedra cortados à mão, em um trabalho que exigiu muita atenção e paciência.

Um dos maiores desafios enfrentados pela equipe foi o clima. As chuvas eram irregulares e o calor intenso teve um impacto significativo no progresso das obras. A logística também era complicada, já que muitos materiais precisavam ser transportados por longas distâncias.

### Funcionamento e importância

Após 16 anos de trabalho, o açude foi concluído em 1906. Com capacidade para cerca de 126 milhões de metros cúbicos, ele se tornou o maior reservatório do país até aquele momento. A estrutura tem quase 500 metros de comprimento e 20 metros de altura, toda feita de pedras.

O Açude Cedro não apenas armazenou as águas do Riacho Cedro, mas também se tornou uma fonte crucial de abastecimento e irrigação, ajudando na criação de animais na região. Durante décadas, ele foi um modelo de combate à seca e, mesmo com o surgimento de tecnologias mais avançadas, seu valor histórico permanece intacto.

### Importância histórica e tombamento

Reconhecido como a primeira grande obra hidráulica do Brasil, o Açude Cedro também se destaca por ter sido a primeira da América do Sul feita com técnica de alvenaria de pedra, sem argamassa. Em 1977, o IPHAN tombou a construção, que hoje é protegida como um patrimônio cultural e um exemplo de engenharia do período imperial.

Visitantes, pesquisadores e estudantes continuam a se encantar pelo Cedro e suas redondezas, que agora simbolizam a convivência do ser humano com o semiárido e a determinação para superar desafios.

### Estado atual do açude

Mais de um século depois, o Açude Cedro ainda está em operação e continua a fornecer água tanto para moradores como para turistas. Nos últimos anos, foram realizadas iniciativas de recuperação para preservar sua estrutura.

Além da função hídrica, o açude se tornou um importante local educativo. Escolas da regiã frequentemente organizam visitas para mostrar aos estudantes como eram feitas as obras de engenharia naquela época e os impactos que tiveram no desenvolvimento local.

### Um marco para o semiárido

A construção do Açude Cedro não foi apenas um projeto técnico; representou uma nova era na luta dos sertanejos contra a seca. Naquela época, era comum ver famílias se movendo em busca de água. O Cedro trouxe esperança e novas abordagens para o uso da água no Nordeste, moldando políticas públicas que permanecem relevantes mais de um século depois.