Plano de geoengenharia busca refletir luz solar para combater aquecimento
Enquanto o mundo tenta encontrar soluções para a crise climática, um projeto da Universidade de Harvard chamou a atenção. A ideia era bem radical: diminuir a luz solar para tentar esfriar a Terra. O projeto, batizado de SCoPEx, se situava dentro do amplo campo da geoengenharia solar. A proposta era bem científica, mas também polêmica.
Basicamente, os cientistas queriam testar a liberação de partículas na alta atmosfera, com a intenção de refletir a luz solar de volta ao espaço, tal como ocorre após grandes erupções vulcânicas. Apesar da expectativa ao redor do projeto, ele enfrentou forte resistência de muitos grupos, incluindo indígenas e ambientalistas, e acabou sendo cancelado antes mesmo de dar seu primeiro passo, em março de 2024.
O que era o projeto SCoPEx e sua ideia de replicar um vulcão para resfriar a Terra
O SCoPEx não se tratava de uma implementação direta de geoengenharia, mas sim de um experimento pequeno. Frank Keutsch e David Keith, os pesquisadores à frente do projeto, queriam coletar dados práticos para aprimorar modelos climáticos. Eles alegavam que esses modelos poderiam estar projetando uma ideia da geoengenharia como uma solução “perfeita demais”.
A proposta era usar um balão para enviar um pacote de instrumentos a 20 km de altitude e liberar uma pequena quantidade de material. A quantidade variava de 100 gramas a 2 kg, o suficiente para criar uma nuvem de ar com aproximadamente um quilômetro de comprimento. Esses instrumentos, então, mensurariam o efeito da intervenção, tentando replicar o que acontece em uma erupção vulcânica.
O plano de lançar partículas na atmosfera para refletir a luz solar
O material que o SCoPEx planejava utilizar era o carbonato de cálcio (CaCO₃). Ele é comum e não tóxico, encontrado em rochas como o calcário. A ideia era que esse material pudesse refletir a luz solar de forma eficiente, sem causar os problemas que acompanham os aerossóis de enxofre que vêm de vulcões.
Os defensores do projeto sempre ressaltaram que a quantidade de material liberada seria mínima, comparável a menos de um minuto de emissão de um avião comercial. No entanto, a simples ideia de alterar a estratosfera gerou bastante controvérsia e desconfiança.
Por que grupos indígenas e ambientalistas foram contra o projeto de geoengenharia?
O cancelamento do SCoPEx não foi determinado por falhas técnicas, mas pela forte oposição que recebeu. Um momento decisivo foi a tentativa de realizar um voo de teste na Suécia, local que faz parte do território ancestral do povo Sámi.
Os indígenas se organizaram por meio do Conselho Sámi, levantando questões sobre o respeito ao seu direito de Consentimento Livre, Prévio e Informado. A geoengenharia, para eles, representava uma mentalidade extrativista que já causou tantos problemas ao planeta. Em vez de buscar soluções tecnológicas, o foco deveria ser em respeitar os limites naturais.
Além disso, o conceito de risco moral também trouxe à tona debates importantes. Críticos argumentaram que a simples existência de uma "solução tecnológica" poderia acalmar a população e desviar a atenção dos verdadeiros problemas, como as emissões de carbono.
As incertezas em relação a riscos imprevistos também foram tema de debate. Entre as preocupações estavam possíveis mudanças nos padrões de chuva, que poderiam afetar grandes áreas do planeta, além do que é chamado de "choque de terminação" — o risco de um aquecimento global abrupto se o projeto fosse suspenso abruptamente.
O cancelamento em março de 2024: o fim do experimento que nunca aconteceu
A pressão de ativistas e a cobertura da mídia, que por vezes tratou o SCoPEx de forma sensacionalista, contribuíram para o crescente descontentamento público. O projeto estava em situação de suspensão desde o teste de 2021, e, em 2023, um dos líderes, David Keith, deixou a Universidade de Harvard. Isso enfraqueceu ainda mais o impulso do empreendimento.
Finalmente, em 18 de março de 2024, o projeto foi oficialmente cancelado. Harvard anunciou que os equipamentos desenvolvidos seriam utilizados para outras pesquisas que não envolvessem geoengenharia.
O legado do SCoPEx
O legado do SCoPEx não é sobre uma falha científica, mas sobre a subestimação das objeções sociais, éticas e políticas que cercam a geoengenharia. A lição que fica é clara: para tecnologias que afetam todo o planeta, o consentimento social não é apenas um detalhe a ser ignorado, mas sim o ponto de partida da discussão. Sem essa aceitação, por mais promissora que a ciência seja, ela ficará sem um caminho a seguir.
A saga do SCoPEx se torna um exemplo de como lidar com tecnologias polêmicas. O debate em torno da geoengenharia solar continua, e o projeto serve como um alerta: em tempos de crise climática, buscar solução não pode desconsiderar questões de consentimento, justiça e os riscos de interferir drasticamente no nosso único planeta.