Lago de altitude na América do Sul revela lendas e biodiversidade

Imagine atravessar um lago a quase 4 mil metros de altitude, cercado por montanhas cobertas de neve. O Lago Titicaca, que fica entre o Peru e a Bolívia, não é só o lago navegável mais alto do mundo. Ele é um espaço onde a física, a espiritualidade e a vida cotidiana se entrelaçam. Mas esse equilíbrio, que existe há milênios, enfrenta desafios sérios.
O Lago Titicaca se encontra a 3.812 metros acima do nível do mar e ocupa uma área de mais de 8.300 km², que é maior que o Distrito Federal e o estado de Sergipe juntos. É o maior lago da América do Sul em volume de água e o segundo em área de superfície, atrás apenas do Maracaibo, na Venezuela.
Esse lago é compartilhado por Peru e Bolívia e é possível navegar tanto em barcos modernos quanto nas tradicionais balsas feitas de totora, uma planta aquática abundante em suas margens. Para os povos locais, o lago é mais que uma fonte de água; é um símbolo profundo de identidade e cultura, como destaca Luis Paredes, professor da Universidad del Altiplano de Puno.
Um espelho d’água que toca o céu
As ilhas flutuantes dos Uros são um dos pontos mais impressionantes do lago. Feitas de camadas de totora, essas ilhas são habitadas por comunidades que mantêm suas tradições ancestrais. A pesca com arpão e a construção de embarcações de junco são práticas vividas por ali. Embora as ilhas sejam uma atração turística interessante, os Uros enfrentam questões sociais e ambientais urgentes, como insegurança alimentar e acesso limitado a serviços de saúde.
A moradora Rosenda Quispe compartilha a realidade que enfrentam: “Antes, a água era pura, podíamos beber diretamente do lago. Agora, não conseguimos nem cozinhar com ela”.
Berço do Império Inca
Na mitologia do Império Inca, diz-se que Manco Cápac e Mama Ocllo surgiram do Lago Titicaca, filhos do Deus Sol, com a missão de fundar Cusco e crescer o império. Hoje, o lago abriga sítios arqueológicos e ilhas que preservam tradições ancestrais. Em Taquile e Amantaní, o turismo vivencial tem se tornado uma alternativa ao turismo tradicional, permitindo que os visitantes conheçam de perto a cultura local e contribuam com a economia da região.
Biodiversidade única ameaçada
O Titicaca é também um ecossistema impressionante, abrigando espécies únicas como a rana gigante do Titicaca, que pode chegar a 50 cm de comprimento e respira quase exclusivamente pela pele. Outras espécies raras, como o peixe karachi e o pato zambullidor, contam com o lago como seu habitat. No entanto, as notícias não são boas. Estudos alertam que mais de 70% dos peixes do lago estão contaminados com metais pesados, devido ao despejo de resíduos urbanos, mineração ilegal e esgoto.
Essa situação é especialmente crítica no lado peruano, onde cidades como Puno, com mais de 140 mil habitantes, agravam cada vez mais a poluição.
Comunidades flutuantes e resistência cultural
As ilhas flutuantes são uma vitrine da luta cultural dos Uros. Porém, a vida nessas ilhas não é fácil. Além das dificuldades de acesso à água potável e às melhorias de saúde, eles enfrentam um futuro incerto devido à degradação ambiental.
Iniciativas de proteção ainda tímidas
Em 2023, Peru e Bolívia anunciaram um plano para salvar o lago, que inclui a construção de estações de tratamento de esgoto e reflorestamento das margens. No entanto, muitos desses projetos ainda estão parados. O Ministério do Meio Ambiente do Peru revela que mais de 60% dos planos de saneamento para a bacia do Titicaca não saíram do papel, enquanto a temperatura do lago continua a subir.
Um alerta para toda a América Latina
O potencial colapso do Titicaca não seria apenas um problema local; seria um desastre cultural, social e econômico. Relatórios indicam que a degradação de ecossistemas como esse afeta a segurança hídrica e alimentar em toda a região andina. O lago serve de exemplo do que pode acontecer em outras partes da América Latina se ações efetivas não forem tomadas, e ressalta a necessidade de proteger não apenas um lago, mas uma civilização viva e resiliência que persiste em suas águas.