Estrutura preserva milhares de linhagens de Células e cria alternativas seguras para pesquisas sem uso de cobaias

No coração do Parque Tecnológico de Xerém, em Duque de Caxias, funciona uma estrutura discreta, mas decisiva para a pesquisa científica no Brasil: o Banco de Células do Rio de Janeiro (BCRJ).

Em tanques de nitrogênio líquido, cerca de 400 linhagens celulares humanas e animais são preservadas em temperaturas extremas. Essas células alimentam pesquisas que vão desde cosméticos até vacinas e terapias avançadas, criando alternativas seguras ao uso de animais em laboratório.

Fundado em 1980 pelo professor Radovan Borojevic, o banco nasceu de forma quase improvisada. No início, Borojevic reunia células em seu laboratório para pesquisas em medicina tropical. Rapidamente, colegas começaram a pedir acesso ao material. O que era apenas um acervo informal se transformou no maior biobanco da América do Sul, hoje reconhecido pela Organização Mundial da Saúde.

Mais de quatro décadas depois, o BCRJ é referência internacional e já distribuiu linhagens para vários países da América Latina e até para o Oriente Médio.

Para que serve um banco de células

Um banco de células funciona como um arsenal de material biológico confiável e padronizado, capaz de sustentar inúmeros projetos.

Cientistas acessam essas células para testar medicamentos, cosméticos e vacinas sem recorrer a animais. Também usam o material para desenvolver terapias, estudar doenças e até criar modelos de tecidos 3D em laboratório.

Sem coleções como essa, muitas pesquisas dependeriam de importações caras ou ficariam simplesmente inviáveis.

Tipos de células preservadas

O acervo do BCRJ reúne dois grandes grupos de células:

  • Células primárias: retiradas diretamente de tecidos humanos ou animais, com vida útil limitada em laboratório.
  • Linhagens imortais: capazes de se dividir indefinidamente, seja por mutação natural, como acontece em alguns tumores, seja por procedimentos de indução realizados em laboratório.

Essas linhagens são fundamentais em áreas como diagnóstico, transplantes e testes de eficácia. Para conservá-las por décadas, o banco utiliza criopreservação em tanques de nitrogênio líquido a -150 °C ou menos, paralisando completamente o metabolismo celular.

Diversidade genética brasileira

Em 2015, o BCRJ deu um passo além e criou o Biobanco do Rio de Janeiro, reunindo células que refletem a diversidade genética brasileira.

Grande parte das linhagens disponíveis até então vinha de países como EUA e Europa, o que não retratava as diferenças biológicas da população local. Ter células de pele de diferentes tons, por exemplo, é essencial para testar cosméticos adequados ao público brasileiro.

Entre as células guardadas, está a famosa HeLa, a primeira linhagem celular imortal da história, isolada em 1951 a partir de Henrietta Lacks. Estas células ajudaram a desenvolver vacinas, tratamentos e até compuseram pesquisas espaciais.

O caso, no entanto, levantou discussões éticas: a família de Henrietta só soube anos depois que seu material estava sendo usado em todo o mundo. Hoje, biobancos brasileiros seguem rígidas regras, e o doador mantém a propriedade do material doado.

Como o material é coletado

No dia a dia, o BCRJ aproveita principalmente restos cirúrgicos que seriam descartados, como fragmentos de pele, cordões umbilicais e até pedaços de osso. Esse material é processado, suas células são multiplicadas e depois congeladas em condições controladas, podendo durar décadas.

A distribuição das células é cuidadosa. Elas não são vendidas, mas disponibilizadas mediante pagamento de custos de manutenção, apenas para pesquisadores aprovados por Comitês de Ética em Pesquisa e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

O fim dos testes em animais

Com a lei sancionada em julho de 2025 proibindo o uso de animais em cosméticos, perfumes e produtos de higiene, a atuação do BCRJ ganhou ainda mais relevância.

Como os animais não representam fielmente a fisiologia humana, muitos estudos falhavam na fase clínica apesar do sucesso em cobaias. Agora, os modelos celulares se apresentam como alternativa mais confiável, menos custosa e eticamente correta.

No laboratório de toxicologia do banco, os testes seguem normas internacionais e utilizam modelos 3D de pele e córnea. Nessas estruturas, é possível realizar ensaios de corrosão e irritação que antes dependiam de coelhos ou camundongos.

Desafios e financiamento

Apesar do impacto positivo, o maior gargalo do setor é o financiamento instável. Projetos para desenvolver novas técnicas, como tecidos artificiais em chips de microfluídica, exigem recursos contínuos e mão de obra especializada.

Sem apoio financeiro consistente, a expansão de iniciativas como o BCRJ avança lentamente. Muitas vezes o país acaba gastando milhões importando insumos biológicos que poderiam ser produzidos localmente.

Ainda assim, o banco prova que é possível fazer ciência de ponta no Brasil. Mesmo com recursos limitados, oferece suporte a pesquisas inovadoras e mantém viva a esperança de reduzir cada vez mais o uso de animais em experimentos.