É possível ser demitido por usar Inteligência Artificial no trabalho? O que dizem os especialistas em legislação

O uso não autorizado ou fraudulento de ferramentas de IA pode configurar justa causa. Advogados alertam para o risco da violação de políticas internas e confidencialidade.

A Inteligência Artificial (IA) generativa transformou o modo como trabalhamos, aumentando a produtividade e a eficiência. Contudo, essa nova ferramenta tecnológica trouxe consigo um desafio imediato para as empresas e os trabalhadores: é legalmente seguro usar IA no ambiente de trabalho?

A resposta dos especialistas em Direito do Trabalho é: sim, é totalmente possível ser demitido por justa causa se o uso da IA violar regras claras da empresa, comprometer a segurança de dados ou for usado para fraude.

A lei brasileira, embora não tenha um texto específico sobre o uso de IA, permite que o empregador penalize o funcionário com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), especialmente no Artigo 482, que trata das faltas graves.

O Risco da Justa Causa e a Confidencialidade

O cenário mais perigoso é a violação da confidencialidade. Quando um trabalhador insere dados sigilosos da empresa (como informações de clientes, estratégias de mercado, projetos ou relatórios financeiros) numa ferramenta de IA pública (como o ChatGPT ou Bard), essa informação pode ser absorvida pelo modelo de linguagem.

Isso representa uma grave quebra de sigilo e compromete a segurança da informação, podendo ser interpretado como ato de improbidade ou mau procedimento — faltas graves previstas na CLT que justificam o despedimento imediato.

Os especialistas são categóricos: o uso de IA sem o consentimento ou conhecimento da chefia, especialmente em segredos corporativos, pode ser enquadrado como uso de meios fraudulentos, um ato passível de demissão por justa causa.

O Papel das Políticas Internas

No entanto, a responsabilidade não é apenas do trabalhador. Os juristas apontam que, para a demissão ser válida, a empresa precisa ter políticas de uso de IA claras e transparentes.

Não basta proibir; a empresa deve comunicar as diretrizes, treinar os funcionários e indicar quais ferramentas são permitidas e quais são proibidas, de modo a garantir o alinhamento de todos com as melhores práticas e regulamentações.

Se a empresa não tiver diretrizes claras sobre o tema, a aplicação de uma justa causa se torna mais difícil de sustentar na Justiça do Trabalho. A ausência de regras faz com que o empregador assuma o risco do uso indevido.

IA como “Bode Expiatório” nas Demissões

A demissão pelo uso individual de IA é diferente da demissão pela IA. Muitos especialistas e analistas observam que grandes empresas têm usado o avanço da Inteligência Artificial como uma justificativa ou “bode expiatório” para realizar demissões em massa e reestruturações de negócios, muitas vezes encobrindo erros de planeamento ou ajustes económicos.

Neste cenário, a vaga do funcionário é eliminada porque a IA automatiza a função, o que pode levar a um despedimento sem justa causa (com o pagamento de todas as verbas rescisórias).

Além disso, a IA está a ser cada vez mais usada em processos de gestão de pessoas. Algoritmos de avaliação de desempenho podem influenciar decisões de despedimento, levantando o risco de discriminação algorítmica se a ferramenta estiver enviesada.

Portanto, o trabalhador deve estar atento a dois pontos:

  1. Risco Pessoal: Não use ferramentas de IA com dados confidenciais ou para fins fraudulentos, sem antes consultar as políticas internas da sua empresa.
  2. Risco da Função: Mantenha-se atualizado e explore a IA como uma ferramenta de otimização, pois as funções que exigem criatividade e pensamento estratégico continuarão em alta, enquanto as tarefas repetitivas são as primeiras a serem automatizadas.

A chave é a transparência. Se a empresa não tem regras, o trabalhador deve usar o bom senso, evitando sempre expor informações sigilosas a terceiros, sejam eles humanos ou Inteligências Artificiais.