Destruição de contraceptivos nos EUA afeta 1,4 mi de mulheres na África
O governo dos Estados Unidos decidiu incinerar mais de 9,7 milhões de dólares em contraceptivos, o que poderá resultar em 174 mil gravidezes indesejadas e 56 mil abortos inseguros em cinco países africanos: República Democrática do Congo, Quênia, Tanzânia, Zâmbia e Mali.
Desses contraceptivos, 77% eram destinados à República Democrática do Congo, Quênia, Tanzânia, Zâmbia e Mali, segundo a Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF), uma organização não governamental que atua na área de saúde e defesa dos direitos sexuais e reprodutivos.
Os produtos já estavam fabricados, embalados e prontos para distribuição, com validade até 2027 ou 2029. A IPPF ofereceu-se para receber e redistribuí-los sem custo para o governo americano, mas a proposta foi rejeitada.
A destruição desses contraceptivos privará mais de 1,4 milhão de mulheres e meninas nessas nações de um acesso crucial a cuidados de saúde reprodutiva. De acordo com a IPPF, em decorrência dessa decisão, mais de um milhão de contraceptivos injetáveis e 365 mil implantes não chegarão às mãos das usuárias na Tanzânia, representando 28% das necessidades anuais do país.
Dr. Bakari, coordenador de projetos da Umati, associação da IPPF na Tanzânia, relatou que a redução no financiamento da USAID teve um impacto significativo na oferta de serviços de saúde sexual e reprodutiva. A escassez de contraceptivos, especialmente implantes, está afetando diretamente as opções de planejamento familiar para as clientes.
Em Mali, mulheres ficarão sem 1,2 milhão de contraceptivos orais e 95.800 implantes, o que corresponde a cerca de 24% das necessidades anuais do país. Já na Zâmbia, 48.400 implantes e 295 mil contraceptivos injetáveis não estarão disponíveis, enquanto no Quênia, 108 mil mulheres não terão acesso aos implantes.
Nelly Munyasia, diretora executiva da Rede de Saúde Reprodutiva no Quênia, explicou que a redução de recursos da USAID já é sentida no país. Os estoques de contraceptivos de longa duração já se esgotaram, o que poderá ter consequências graves para a saúde das mulheres e seus direitos reprodutivos. Ela destacou ainda que a capacitação dos profissionais de saúde está diminuindo, existindo uma lacuna de 46% no financiamento do programa nacional de planejamento familiar.
“A situação é crítica, pois a demanda por contraceptivos não atendida continua elevada. Quase uma em cada cinco meninas entre 15 e 19 anos já está grávida ou deu à luz. Abortos inseguros demoram a ser uma das principais causas de morte materna no Quênia”, alertou Munyasia.
Apesar de a Constituição queniana, promulgada em 2010, permitir o aborto em casos de risco à vida ou saúde da gestante, o código penal do país, que data de 1963, ainda criminaliza a prática. Isso torna os profissionais de saúde relutantes em oferecer cuidados adequados, mesmo em situações de emergência. Munyasia ressaltou que a falta de suprimentos contraceptivos pode aumentar a mortalidade materna, já que mulheres buscarão formas inseguras de interromper gravidezes indesejadas.
Recentemente, um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA confirmou que a medida de destruir os contraceptivos foi tomada. Após relatos de que os produtos seriam incinerados na França, o governo francês anunciou que estava “acompanhando a situação”, diante da indignação de grupos feministas e de direitos reprodutivos.
O departamento argumentou que a destruição ocorreu porque não havia compradores “elegíveis” para os produtos, em parte devido às leis e regras dos EUA que proíbem o envio de ajuda americana para organizações que prestam serviços de aborto, orientam sobre o procedimento ou defendem os direitos ao aborto fora do país.