Computação quântica: entenda o que é, como funciona e por que pode revolucionar o futuro

A computação, como a conhecemos, está se aproximando de seus limites físicos. Por décadas, a Lei de Moore previu a duplicação do número de transistores em um chip a cada dois anos, um ritmo que impulsionou a revolução digital. Contudo, com os componentes atingindo a escala atômica, essa progressão exponencial encontra barreiras intransponíveis.

Nesse contexto, emerge um novo paradigma computacional que não busca apenas otimizar o modelo existente, mas sim reinventá-lo por completo: a computação quântica. Baseada nas leis da mecânica quântica, que governam o comportamento da matéria e da energia em nível subatômico, essa tecnologia promete resolver problemas de complexidade hoje inatingível para os mais potentes supercomputadores clássicos.

A ideia, concebida teoricamente nos anos 1980 pelo físico Richard Feynman, evoluiu de um conceito acadêmico para uma corrida tecnológica global. As promessas vão desde o desenvolvimento de novos medicamentos em tempo recorde até a criação de materiais inovadores e a reestruturação da segurança digital, o que justifica os altos investimentos no setor.

O que é computação quântica e qual sua diferença em relação à computação clássica

A computação quântica é um modelo de processamento de informações que utiliza fenômenos da mecânica quântica para realizar cálculos. Diferentemente dos computadores que usamos diariamente, ela não opera com uma lógica binária convencional, mas sim com um conjunto de regras que permitem explorar um número exponencialmente maior de possibilidades de forma simultânea.

A computação clássica, base de toda a tecnologia digital atual, funciona com unidades de informação chamadas bits. Cada bit pode assumir apenas um de dois estados definidos: 0 ou 1. Todos os cálculos, por mais complexos que sejam, são executados de forma sequencial, processando esses bits um de cada vez, o que limita a capacidade de resolver certos tipos de problemas.

Em contrapartida, a computação quântica utiliza o qubit (bit quântico) como sua unidade fundamental. Graças a um princípio chamado superposição, um qubit pode representar 0, 1 ou uma combinação de ambos os estados ao mesmo tempo. Essa característica permite que um computador quântico processe uma vasta quantidade de informações em paralelo, oferecendo um poder computacional imenso para tarefas específicas.

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Como funciona a lógica dos qubits e dos estados sobrepostos

A lógica por trás da computação quântica reside na capacidade de manipular os estados dos qubits. Enquanto um bit clássico é como um interruptor que está ligado ou desligado, um qubit pode ser imaginado como um controle de volume, que pode estar em qualquer ponto entre o mínimo e o máximo, incluindo todos os valores intermediários simultaneamente.

Esse fenômeno de estar em múltiplos estados ao mesmo tempo é a superposição. Um sistema com apenas dois qubits, por exemplo, pode explorar quatro estados (00, 01, 10 e 11) de uma só vez. Com 300 qubits, o número de estados simultâneos que podem ser representados supera o número de átomos no universo observável, ilustrando o potencial de processamento exponencial dessa tecnologia.

Dessa forma, em vez de testar cada solução para um problema de forma sequencial, um computador quântico avalia um vasto campo de possibilidades de uma única vez. A computação, portanto, torna-se probabilística: os algoritmos são projetados para que, ao final do processo, as probabilidades das respostas incorretas se anulem, enquanto as da resposta correta se reforcem, guiando a máquina para a solução mais provável.

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Princípios fundamentais por trás da computação quântica

O funcionamento da computação quântica é sustentado por três princípios da mecânica quântica que não possuem análogos no mundo clássico. Compreendê-los é essencial para entender como essa tecnologia alcança seu poder de processamento.

Superposição

A superposição é a capacidade de um sistema quântico, como um qubit, existir em múltiplos estados ao mesmo tempo. É a propriedade que permite o paralelismo quântico, onde um único processador pode realizar um número massivo de cálculos simultaneamente. Um sistema de N qubits pode representar 2^N estados de uma vez, conferindo-lhe uma capacidade de processamento que cresce exponencialmente com o número de qubits.

Emaranhamento

O emaranhamento, ou entrelaçamento quântico, é um fenômeno no qual dois ou mais qubits se tornam interligados de uma maneira que seus destinos estão correlacionados, não importando a distância que os separe. A medição do estado de um qubit influencia instantaneamente o estado do outro. Essa conexão permite a criação de estados quânticos complexos e a execução de algoritmos poderosos.

Interferência Quântica

A interferência é o mecanismo utilizado para controlar o resultado de um cálculo quântico. Assim como ondas podem se somar ou se anular, os estados quânticos dos qubits podem ser manipulados para interferir uns com os outros. Os algoritmos quânticos são projetados para amplificar as “ondas” de probabilidade que levam à resposta correta e cancelar aquelas que levam a respostas incorretas.

Computação quântica entenda o que é, como funciona e por que pode revolucionar o futuro
O interior de um computador quântico revela uma complexa estrutura de cabos e refrigeração criogênica, necessária para manter a estabilidade dos frágeis qubits – Crédito: blickpixel / Pixabay

Aplicações práticas da computação quântica no mundo real

Embora ainda em desenvolvimento, a computação quântica promete transformar radicalmente diversas áreas. No setor da saúde e da química, sua capacidade de simular o comportamento de moléculas em nível quântico pode acelerar a descoberta de novos medicamentos, vacinas e materiais com propriedades inéditas, como baterias mais eficientes ou catalisadores mais eficazes.

No campo da logística e das finanças, a tecnologia pode resolver problemas de otimização extremamente complexos. Isso inclui desde a otimização de rotas de frotas de entrega e o gerenciamento de cadeias de suprimentos globais até a modelagem de cenários financeiros para otimização de portfólios de investimento, tarefas que hoje levam dias ou são simplesmente inviáveis para computadores clássicos.

A inteligência artificial e o aprendizado de máquina (machine learning) também se beneficiarão. Os algoritmos quânticos podem aprimorar o reconhecimento de padrões e a análise de grandes volumes de dados (big data), potencializando a capacidade dos sistemas de IA de aprender e tomar decisões. Isso pode levar a avanços em áreas como diagnóstico médico por imagem e processamento de linguagem natural.

Computação quântica e segurança de dados: risco ou solução?

A relação entre computação quântica e segurança de dados é ambivalente, representando ao mesmo tempo um grande risco e uma solução definitiva. O risco reside no fato de que um computador quântico funcionalmente poderoso será capaz de quebrar a maioria dos sistemas de criptografia utilizados atualmente para proteger comunicações e dados sensíveis.

Algoritmos como o de Shor, desenvolvido para computadores quânticos, podem fatorar números grandes de forma eficiente, uma tarefa que é a base da segurança de criptografias como a RSA. Isso significa que, no futuro, transações bancárias, segredos de estado e comunicações privadas protegidas pelos métodos atuais se tornarão vulneráveis.

Em contrapartida, a própria mecânica quântica oferece a solução para este problema por meio da criptografia quântica. Tecnologias como a Distribuição de Chaves Quânticas (QKD) utilizam os princípios quânticos para criar canais de comunicação cuja segurança é garantida pelas leis da física. Qualquer tentativa de interceptar a chave de criptografia perturbaria o sistema quântico e seria imediatamente detectada.

As promessas e desafios dessa tecnologia para os próximos anos

As promessas da computação quântica são vastas, incluindo a capacidade de catalisar descobertas científicas que hoje levariam décadas. O objetivo final é a construção de um computador quântico universal e tolerante a falhas, uma máquina capaz de resolver qualquer problema para o qual um algoritmo quântico eficiente seja desenvolvido.

Contudo, o caminho para alcançar esse objetivo é repleto de desafios técnicos. O principal deles é a decoerência quântica, a tendência dos qubits de perderem seus estados quânticos devido a mínimas interferências do ambiente, como vibrações, flutuações de temperatura ou campos magnéticos. Isso corrompe os cálculos e é a maior barreira para a confiabilidade.

Para combater a decoerência, os pesquisadores trabalham no desenvolvimento de códigos de correção de erros quânticos e em formas de escalar o número de qubits de alta qualidade. Manter a estabilidade de sistemas com milhares ou milhões de qubits, além do alto custo e da infraestrutura complexa necessária — como refrigeração a temperaturas próximas do zero absoluto —, são os principais focos de pesquisa atualmente.

Como empresas e governos estão investindo em computação quântica

A corrida pela supremacia quântica está em pleno andamento, com investimentos massivos tanto do setor privado quanto do público. Gigantes da tecnologia como Google (google.com), IBM (ibm.com), Microsoft (microsoft.com) e Amazon Web Services – AWS (aws.amazon.com) lideram o desenvolvimento de hardware e software, construindo seus próprios processadores quânticos e disponibilizando-os para pesquisadores.

Governos de potências como Estados Unidos, China e países da União Europeia também lançaram iniciativas nacionais bilionárias. O objetivo é fomentar a pesquisa, desenvolver uma força de trabalho qualificada e garantir uma vantagem estratégica em uma tecnologia considerada fundamental para a segurança nacional e a competitividade econômica no futuro.

A forma mais comum de acesso a essa tecnologia tem sido por meio do modelo de “Quantum as a Service” (QaaS). As empresas oferecem acesso aos seus computadores quânticos pela nuvem, permitindo que universidades, startups e outras companhias experimentem algoritmos e explorem aplicações práticas sem a necessidade de construir e manter a dispendiosa infraestrutura física.

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O impacto da computação quântica na ciência e na economia global

O advento de computadores quânticos funcionais terá um efeito transformador na pesquisa científica. Ele permitirá a simulação precisa de sistemas quânticos complexos, algo impossível para computadores clássicos, abrindo novas fronteiras na física fundamental, na química, na biologia e na ciência dos materiais, e acelerando o ritmo de novas descobertas.

Na economia global, a computação quântica tem o potencial de criar novos mercados e redesenhar indústrias inteiras. Setores que dependem de otimização, simulação e análise de dados, como o financeiro, farmacêutico, energético e logístico, poderão desenvolver produtos e serviços mais eficientes, gerando, segundo estimativas, trilhões de dólares em valor econômico nas próximas décadas.

Consequentemente, surgirá uma nova demanda por profissionais com habilidades interdisciplinares. A formação de uma força de trabalho que domine conceitos de física quântica, ciência da computação e engenharia será essencial para projetar, construir, programar e aplicar essas novas ferramentas computacionais, moldando o cenário profissional do futuro.