Como Carlo Acutis virou santo: entenda o caminho até a canonização

Primeiro millennial canonizado pela Igreja Católica, Carlo Acutis se tornou símbolo de fé e tecnologia, atraindo milhares de jovens à devoção.

No último domingo, milhares de fiéis se reuniram na Praça de São Pedro, no Vaticano, para acompanhar um momento histórico: a canonização de Carlo Acutis, adolescente italiano que morreu em 2006 aos 15 anos, vítima de uma leucemia fulminante.

Chamado de “padroeiro da internet” pelo uso criativo da tecnologia para divulgar a fé, ele se tornou o primeiro santo millennial oficialmente reconhecido pela Igreja Católica. Sua história tem atraído jovens do mundo todo, pela forma como soube unir espiritualidade e modernidade.

A cerimônia foi conduzida pelo papa Leão XIV, eleito neste ano, após a morte de Francisco. O novo pontífice concluiu um processo que já vinha sendo acompanhado de perto pelo papa anterior, mas que só agora chegou à última etapa.

O que significa ser santo

Na tradição católica, um santo é alguém que, depois da morte, foi reconhecido como vivendo de forma “heroicamente virtuosa” e que, portanto, chegou ao céu. A Igreja assegura que essas pessoas podem ser veneradas em todo o mundo e servem como exemplos de vida cristã.

Ter o nome incluído no calendário litúrgico, receber uma festa oficial e até inspirar a construção de capelas e igrejas são desdobramentos comuns após a canonização. Mas o título não é concedido de maneira rápida: exige uma série de investigações e comprovações que podem durar séculos.

Nos primeiros séculos do cristianismo, bastava o reconhecimento popular ou a decisão de bispos locais para alguém ser tido como santo. Mas, a partir do século 12, o papa Alexandre III determinou que apenas o pontífice poderia canonizar oficialmente.

Com o tempo, o processo ganhou caráter jurídico, reforçado no Concílio de Trento, no século 16. A partir de então, a canonização passou a ser regulada de forma rígida, com comissões, investigações e análises formais.

Em 1983, o papa João Paulo II simplificou algumas etapas, acelerando um pouco os trâmites e reduzindo o número de milagres necessários. Hoje, o Dicastério para as Causas dos Santos conduz oficialmente o procedimento.

As etapas do processo

Primeiro, há um período mínimo de cinco anos após a morte do candidato, para que a devoção inicial não influencie os julgamentos. O papa, porém, pode abrir exceções. No caso de Carlo Acutis, o processo começou em 2013, sete anos depois de sua morte.

Em seguida, o bispo local abre a investigação diocesana, reunindo testemunhos, escritos e relatos. A partir desse momento, o candidato é chamado de “Servo de Deus”. No caso de Carlo, os depoimentos destacaram sua vida de oração, o hábito de participar da missa diariamente, além de seu interesse por caridade e tecnologia — ele chegou a criar sites paroquiais e uma página que catalogava milagres eucarísticos pelo mundo.

O terceiro passo é o reconhecimento das virtudes heroicas. Uma comissão estuda a vida da pessoa para verificar se viveu de modo exemplar as virtudes cristãs. A aprovação confere o título de “Venerável”, que Carlo recebeu em 2018.

Depois, é preciso comprovar ao menos um milagre atribuído à sua intercessão para a beatificação. Carlo foi beatificado em 2020, em Assis, após o reconhecimento da cura inexplicável de um menino brasileiro, em Campo Grande, que sofria de uma grave malformação pancreática.

Para a canonização, normalmente é necessário um segundo milagre. Em 2024, o Vaticano aprovou a recuperação extraordinária de uma jovem da Costa Rica, que sofreu traumatismo craniano grave em um acidente e voltou à saúde após orações da família junto ao túmulo de Carlo.

A última fase é a cerimônia solene, quando o papa declara que o fiel está no céu e pode ser venerado como santo em toda a Igreja.

Carlo Acutis e sua importância simbólica

Na canonização de domingo, além dos cardeais, bispos e padres presentes, milhares de fiéis compareceram à Praça de São Pedro. Para muitos jovens, Carlo representa um modelo próximo da realidade atual: alguém que programava computadores, navegava pela internet e, ao mesmo tempo, cultivava profunda espiritualidade.

Esse simbolismo ajuda a explicar por que sua trajetória até a santidade foi tão rápida — menos de 20 anos após sua morte. Casos assim são raros na história: muitos santos demoraram séculos para ser reconhecidos, como Hildegarda de Bingen, falecida em 1179 e canonizada apenas em 2012.

Um gesto estratégico da Igreja

A canonização não é apenas um ato espiritual, mas também pode refletir decisões pastorais e até políticas dentro da Igreja. Em tempos de perda de fiéis, especialmente entre os jovens, reconhecer Carlo como santo é também uma forma de mostrar que a fé continua atualizada com as novas gerações.

Hoje, há mais de 10 mil santos oficiais na Igreja Católica. Ainda assim, a canonização de Carlo Acutis se destaca pela rapidez, pela simbologia e pelo impacto direto no diálogo com o mundo digital e as juventudes.