Cidade subterrânea no Canadá conecta shoppings e hotéis em inverno rigoroso

No coração do inverno de Montreal, quando as temperaturas chegam a -30°C e a neve cobre as ruas, a vida na cidade não para. Na verdade, ela se desloca para baixo. Sob a agitação das ruas, existe uma segunda cidade, uma rede climatizada de túneis com impressionantes 32 quilômetros que conecta shoppings, hotéis, escritórios, universidades e estações de metrô. Essa é a cidade subterrânea no Canadá, uma grande invenção para enfrentar as duras condições climáticas.

Chamado oficialmente de RESO, esse labirinto não é um abrigo militar, mas sim uma vital artéria de sobrevivência que permite que moradores e visitantes continuem suas rotinas sem se preocupar com o frio insuportável. No entanto, a história por trás da sua existência é bem mais surpreendente do que a ideia de um simples “mundo subterrâneo” pode sugerir.

Origem sem planejamento: a Expo 67

Engana-se quem acha que o RESO surgiu de um grande plano urbanístico. Na verdade, tudo começou de forma modesta. O primeiro túnel foi construído em 1962, apenas para ligar o recém-inaugurado Place Ville-Marie à Estação Central, uma decisão prática para cobrir uma área de trilhos expostos.

O grande impulso para a expansão ocorreu com a chegada do metrô de Montreal em 1966, que foi feito especialmente para a Expo 67. A cidade incentivou os novos empreendimentos comerciais a se conectarem às estações subterrâneas. O resultado? Um crescimento espontâneo, onde cada novo prédio adicionava um pedaço à rede. Por isso, a cidade subterrânea no Canadá é mais como um mosaico de corredores privados, em vez de um sistema público coeso.

Os impressionantes números do RESO

Para entender a verdadeira dimensão do RESO, é necessário falar sobre números. Esta rede, oficialmente batizada em 2004, é uma das maiores do mundo.

Ela conta com cerca de 32 a 33 quilômetros de túneis e ocupa uma área de 12 km² no centro de Montreal. Curiosamente, em média, cerca de 500.000 pessoas transitam por essa rede diariamente, especialmente durante o inverno. O sistema conecta mais de 60 edifícios, incluindo 10 estações de metrô, 2 estações de trem, e conta com mais de 1.700 lojas, hotéis e universidades. Na prática, isso quer dizer que a vida corporativa e uma parte considerável do comércio em Montreal funcionam de maneira interligada através dessa rede interna.

Refúgio do frio ou labirinto confuso?

A percepção sobre a cidade subterrânea no Canadá é ambivalente. Para quem trabalha e mora no centro, ela é um verdadeiro “salva-vidas”. A possibilidade de ir do trabalho à casa, fazer compras ou até assistir a um jogo de hóquei sem sair do conforto do calor é um verdadeiro luxo no inverno rigoroso.

Por outro lado, para turistas ou quem visita pela primeira vez, a experiência pode ser um tanto frustrante. A reclamação mais recorrente gira em torno da navegação complicada. Sem um planejamento central, a sinalização é irregular e os caminhos, muitas vezes, são confusos. É comum ouvir relatos de pessoas que se perdem em um autêntico “labirinto de túneis”, onde o senso de direção parece se perder.

Um polo de comércio e cultura, além dos túneis

Mas o RESO não é só um caminho para se preservar do frio; ele funciona como uma parte vital da vida econômica e cultural de Montreal. Dentro dos seus túneis, há uma variedade imensa de lojas e novos espaços gastronômicos renomados, como o Time Out Market e o Le Cathcart, que reúnem pratos incríveis de chefs locais.

Além disso, a rede se transforma numa grande galeria de arte. O festival Art Souterrain anualmente transforma os túneis em um espaço de exposição gratuito, complementando a experiência cultural com instalações de arte permanentes. Essa conexão direta com centros culturais importantes, como a Place des Arts e o Museu de Arte Contemporânea, só reforça a relevância do RESO.

Os desafios de uma estrutura em envelhecimento

Com mais de 60 anos em algumas de suas partes, o RESO enfrenta sérios desafios de conservação. Um dos principais problemas é a falta de uma gestão unificada. Como cada trecho do túnel pertence ao prédio pelo qual passa, as melhorias variam muito de um lugar para outro. Enquanto algumas áreas podem estar modernizadas, outras simplesmente não recebem a mesma atenção.

A questão da segurança e a limpeza também se tornaram preocupações após a pandemia. Além disso, a acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida ainda é uma questão delicada em várias partes da rede. O futuro da cidade subterrânea no Canadá depende da capacidade de integrar todas essas partes em um espaço mais coerente e acolhedor para todos.