Carne cultivada cresce, mas enfrenta testes de escala e mercado
Produção em laboratório avança com tecnologia e novos investimentos, mas o setor ainda lida com altos custos e barreiras políticas.
A carne cultivada — produzida a partir de células animais sem a necessidade de abate — vive um momento de transição decisivo em 2026. De acordo com reportagem da CNN Brasil baseada em dados da Market Growth Reports, o setor deve saltar de um mercado de quase US$ 200 milhões em 2025 para mais de US$ 827 milhões até 2034, com um crescimento anual de 17,2%.
Apesar do otimismo, a indústria atravessa uma fase de consolidação. Após um período de euforia, o foco agora está na sobrevivência das empresas mais capitalizadas e tecnologicamente maduras. O grande objetivo é transformar o que hoje é feito em escala piloto em uma produção industrial capaz de competir nas prateleiras dos supermercados.
A tecnologia já permitiu uma queda drástica nos custos: estima-se que produzir um quilo de carne cultivada ficou 85% mais barato desde 2020. No entanto, o preço final ainda é um obstáculo para o consumo de massa, dependendo da redução de custos de insumos críticos, como os meios de cultivo celular.
Avanços científicos e a queda dos custos
O barateamento da carne de laboratório deve-se a inovações em mercados líderes como Israel e o Reino Unido. Pesquisadores israelenses, por exemplo, desenvolveram técnicas que permitem a multiplicação infinita de células bovinas sem modificação genética, o que facilita a aprovação em países com restrições a transgênicos.
Outro ponto crucial é o “alimento” das células. A britânica Multus Biotechnology lançou meios de cultivo de grau alimentício que prometem baixar o custo do litro desse insumo para menos de US$ 1, valor que já chegou a custar centenas de dólares no passado.
Com essas melhorias, empresas como a Believer Meats já operam fábricas nos EUA com capacidade para 12 mil toneladas anuais, produzindo frango cultivado a um preço próximo ao do frango orgânico convencional (entre US$ 6 e US$ 7 por libra).
O papel dos gigantes e a liderança de Singapura e EUA
O setor deixou de ser exclusividade de startups. Gigantes da proteína animal, como a brasileira JBS, investiram cerca de US$ 100 milhões no segmento, incluindo a aquisição da espanhola BioTech Foods. A estratégia é iniciar a produção comercial fora do Brasil nos próximos anos, aproveitando marcos regulatórios mais avançados.
No campo das aprovações, Singapura e Estados Unidos continuam na vanguarda:
- Singapura: Segue como o principal “laboratório global”, aprovando novas empresas e tipos de cortes.
- EUA: Autorizaram empresas como Believer Meats e Wildtype a produzir e comercializar frango e salmão cultivados.
Por outro lado, cerca de 24% dos mercados potenciais ainda carecem de diretrizes claras, o que afasta investidores e atrasa o lançamento de produtos em regiões como a América Latina e o Oriente Médio.
Resistência política e ceticismo do consumidor
Nem todo o cenário é de crescimento livre. Em estados norte-americanos como Flórida e Texas, houve a aprovação de leis que proíbem a venda de carne cultivada, sob o argumento de proteger a pecuária tradicional e a cultura rural.
Além da barreira política, existe a barreira cultural. Pesquisas indicam que:
- 29% dos consumidores globais hesitam em experimentar o produto, citando dúvidas sobre a “naturalidade” e a segurança alimentar.
- 35% dos compradores institucionais (hospitais e universidades), por outro lado, mostram forte interesse em incluir a proteína cultivada em seus cardápios por razões de sustentabilidade.
A carne cultivada não deve substituir a pecuária convencional no curto prazo, mas caminha para ser uma fatia complementar e relevante do sistema alimentar global, focada em sustentabilidade e ética animal.