Bebês reconhecem línguas estrangeiras ouvidas ainda no útero, aponta estudo

Pesquisa revela como sons e ritmos de idiomas moldam o cérebro dos recém-nascidos antes do nascimento.

Antes mesmo de nascer, os bebês já começam a absorver informações do mundo ao redor — inclusive sons e ritmos de diferentes idiomas. Um estudo recente da Universidade de Montreal mostrou que recém-nascidos conseguem reconhecer línguas estrangeiras que ouviram no útero de suas mães.

A pesquisa, publicada na revista Communications Biology, usou imagens cerebrais para acompanhar como o cérebro dos bebês reage aos sons da fala logo após o nascimento. Os resultados indicam que a exposição pré-natal influencia a forma como o cérebro processa a linguagem.

A equipe liderada pela neuropsicóloga Anne Gallagher recrutou 60 gestantes francófonas, que começaram a ouvir gravações de contos infantis em francês e também em idiomas diferentes, como alemão e hebraico, nas últimas semanas da gestação.

Como foi o experimento

As gestantes ouviram as gravações por cerca de dez minutos em cada língua, em dias alternados, repetindo essa rotina até o parto. Os idiomas escolhidos para exposição não foram aleatórios: o alemão e o hebraico possuem ritmos e sons diferentes do francês, o que permitiu testar a sensibilidade dos bebês a essas diferenças.

Após o nascimento, entre 10 e 78 horas depois, os bebês ouviram novamente as mesmas histórias em francês, no idioma estrangeiro que escutaram e em um terceiro idioma totalmente novo.

Durante a audição, os pesquisadores mediram a atividade no cérebro dos recém-nascidos com uma técnica chamada espectroscopia funcional no infravermelho próximo, que detecta variações no fluxo sanguíneo nas áreas usadas para processamento da fala.

Resultados surpreendentes

Os bebês ativaram muito a região do lobo temporal esquerdo — área ligada à compreensão da linguagem — quando ouviram o francês, sua língua materna. Mas só aqueles expostos ao alemão ou ao hebraico no útero apresentaram padrão parecido ao ouvir esses idiomas, diferente daqueles que nunca ouviram essas línguas antes.

Isso mostra que o cérebro consegue armazenar informações sobre ritmo e estrutura da fala ainda antes do nascimento e reconhecer esses elementos depois.

Anne Gallagher destacou a surpresa com a intensidade do efeito, já que bastaram poucos minutos diários de audição por algumas semanas para modular a organização cerebral dos bebês.

Desenvolvimento da linguagem no útero

O estudo também revelou que essa ativação predomina no hemisfério esquerdo do cérebro, o que é um padrão típico dos adultos ao processarem a fala. Isso sugere que a lateralização da linguagem começa ainda nos primeiros dias de vida, talvez até antes.

Segundo a neurologista pediátrica Ana Carolina Coan, o estudo reforça que o cérebro do bebê não é uma “folha em branco”, mas já se molda no ambiente gestacional.

Ela alerta, porém, que isso não é um convite para que gestantes façam estímulos excessivos, como colocar fones para os bebês aprenderem línguas no útero. A pesquisa ajuda a entender como a exposição auditiva influencia o desenvolvimento, o que pode colaborar no diagnóstico e tratamento de distúrbios de fala no futuro.

Os pesquisadores seguem acompanhando as crianças para saber se o efeito permanece por meses ou anos. A curiosidade é saber se essa memória inicial influencia a facilidade para aprender outras línguas depois.