A história da menstruação: do Antigo Egito aos absorventes modernos e a quebra de tabus

Da antiguidade aos dias atuais, a menstruação foi cercada de crenças, mitos e invenções — até chegar aos absorventes como conhecemos hoje

O ciclo menstrual faz parte da vida de milhões de pessoas, mas até hoje continua rodeado de tabus. Biologicamente, trata-se da descamação do endométrio quando não há fecundação — um processo cíclico e natural que ainda desperta preconceitos e silêncios.

Curiosamente, apenas 1,28% dos mamíferos menstruam. Além dos humanos, alguns primatas, morcegos e roedores apresentam esse processo. No entanto, enquanto na natureza a menstruação pode ser incômoda por atrair predadores, no contexto humano ela carregou séculos de estigmas culturais e crenças equivocadas.

Ao longo da história, o sangue menstrual foi visto de formas muito distintas. Em algumas culturas, representava força ou purificação. Em outras, era sinal de impureza ou até perigo. E foi nesse cenário que as soluções para lidar com o fluxo surgiram — muitas vezes improváveis, dolorosas e até perigosas.

Informações inacreditáveis como estas, você encontra somente aqui no Pronatec. Vamos percorrer essa linha do tempo da menstruação.

Egito Antigo e práticas curiosas

Um dos registros mais antigos sobre saúde feminina vem de quase 4 mil anos atrás, do Papiro Kahun, no Egito. As soluções eram no mínimo inusitadas: usava-se terra do Nilo, mel e galena (um mineral de chumbo tóxico) como curativo vaginal. Contra dores, aplicavam resinas e óleos combinados a partes de animais. Como contraceptivo, acreditava-se que uma mistura de mel com fezes de crocodilo inserida na vagina poderia funcionar.

Grécia e Roma: crenças místicas

Na Grécia, Hipócrates enxergava a menstruação como um tipo de purificação. Os gregos utilizavam pedaços de pano enrolados em madeira para conter o fluxo. Já Aristóteles dizia que o olhar de uma mulher menstruada poderia manchar espelhos, associando o sangue a algo impuro.

Os romanos foram ainda mais além. Plínio, o Velho, dizia que o sangue menstrual era capaz de azedar colheitas, enlouquecer cães e até matar abelhas. Ao mesmo tempo, acreditava-se que o toque de mulheres menstruadas curava febres e mordidas de animais. Para absorção, usavam lã embebida em piche, mel ou papoula. Uma invenção curiosa que sobreviveu por séculos foram os absorventes internos com ópio, vendidos como analgésicos até o início do século 20.

O olhar médico e a chegada dos absorventes

Só no século 18 a ginecologia começou a se organizar enquanto campo científico. O problema é que, muitas vezes, a menstruação foi associada a loucura e doenças, justificando testes sem segurança e sem ética em mulheres.

A revolução chegou no fim do século 19. Em 1896, surgiram nos EUA os primeiros absorventes descartáveis: as Lister’s Towels, da Johnson & Johnson. Elas eram presas por cintos, já que os absorventes adesivos só apareceriam em 1969. O produto não deslanchou por causa dos tabus: falar sobre menstruação em público ainda era proibido.

Durante a Primeira Guerra Mundial, enfermeiras perceberam que o material usado em bandagens (o cellucotton, feito de celulose) absorvia muito mais que o algodão comum. Foi daí que nasceram os absorventes da Kotex, que mudaram a vida das mulheres nas décadas seguintes.

A era das invenções e as barreiras sociais

O início do século 20 foi marcado por inovação acelerada. A inventora Mary Kenner, negra norte-americana, criou uma versão de cinto ajustável com camada impermeável. Apesar da importância da invenção, sofreu discriminação racial: empresas interessadas desistiram da parceria quando souberam sua origem. Anos mais tarde, suas criações foram usadas por grandes marcas sem que ela recebesse nada.

Na mesma época, os absorventes internos começaram a ganhar espaço. O modelo com aplicador de papelão foi patenteado pela Tampax em 1936. Havia grandes polêmicas em torno da inserção vaginal, vista por setores conservadores como uma ameaça à virgindade. Mesmo assim, a popularidade cresceu rapidamente.

Na Alemanha, a ginecologista Judith Esser-Mittag criou o O.B. (sigla para “ohne Binde”, ou sem bandagem) na década de 1940, o primeiro absorvente interno sem aplicador.

Tentativas menos bem-sucedidas também apareceram. Em 1920, os calções menstruais feitos de borracha tentaram impedir vazamentos, mas não agradaram. Já o coletor menstrual, desenvolvido em 1937 por Leona Chalmers, só voltaria a se popularizar entre os anos 1980, em movimentos alternativos.

Menstruação no Brasil e a chegada da pílula

No Brasil, os absorventes chegaram nos anos 1930 com a marca Modess. Ficaram conhecidos como “módis” e dominaram o mercado por décadas. Foi entre os anos 1950 e 1960, com a entrada crescente das mulheres no mercado de trabalho, que os produtos se massificaram.

Nesse período, a pílula anticoncepcional revolucionou os costumes. A partir dela, tornou-se possível suspender totalmente a menstruação. Mas o caminho até essa conquista foi marcado por abusos: em Porto Rico, 200 mulheres pobres foram submetidas a testes sem informação adequada. Muitas sofreram efeitos colaterais graves, e algumas morreram. Ainda assim, em 1960 nasceu a primeira pílula, o Enovid.

Para reduzir a rejeição ao produto, as cartelas vieram com pausas artificiais: esse intervalo provocava um sangramento semelhante à menstruação natural, só que induzido. Na prática, não havia necessidade biológica disso, mas a “falsa menstruação” foi pensada para aumentar a aceitação do medicamento.

Debates recentes e a dignidade menstrual

Nas últimas décadas, médicos como o brasileiro Elsimar Coutinho levantaram teses sobre a ideia de eliminar de vez a menstruação, chamando-a de “sangria inútil”. Embora os hormônios de fato permitam pausas menstruais sem prejuízos diretos à saúde, nem todas as mulheres enxergam a menstruação como algo ruim. Muitas não sentem dor ou desconforto e até valorizam o ciclo como forma de autoconhecimento.

O tabu, porém, continua forte. Propagandas ao longo da história reforçaram eufemismos — sangue azul, mulheres sorridentes de branco, discursos sobre frescor e discrição. No Brasil, um comercial de absorventes em 1973 chegou a ser censurado pela ditadura simplesmente por citar a palavra “calcinha”.

Ainda hoje, milhões de brasileiras não têm acesso a absorventes ou condições básicas de higiene. Segundo dados recentes, uma em cada cinco já precisou usar papel, pano ou jornal no lugar de produtos adequados. O Unicef estima que 4 milhões de estudantes enfrentam privações relacionadas à falta de absorventes, água ou sabonetes.

Em 2022, a distribuição gratuita de absorventes foi aprovada por lei no Brasil para estudantes de escolas públicas, pessoas em situação de rua e de baixa renda. Um passo importante diante de uma história que mostra como o tema foi, por séculos, cercado de preconceitos.