O Brasil que envelhece: o tema da redação do Enem que tirou o foco do “desafio”

Análise completa sobre “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”, tema da redação do Enem, e por que ele exigiu uma visão ampla dos candidatos.

O primeiro dia de provas do Enem 2025 trouxe um tema de redação que, se não chegou a ser uma surpresa total, marcou uma mudança na abordagem em relação aos anos anteriores. Os candidatos tiveram que dissertar sobre “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”.

A discussão sobre a população idosa já era aguardada por muitos especialistas. Afinal, o Brasil vive uma transição demográfica acelerada, com o número de pessoas acima de 60 anos crescendo a passos largos. Dados do IBGE mostram que, em breve, teremos mais idosos do que crianças e adolescentes.

A grande sacada do tema deste ano, porém, está na escolha da palavra “Perspectivas”. Nos últimos anos, o Exame vinha usando o termo “desafios”, o que induzia o estudante a focar diretamente nos problemas e dificuldades.

Ao usar “perspectivas”, a proposta exigiu que o estudante tivesse um olhar mais abrangente. Era preciso analisar tanto os problemas (as perspectivas negativas) quanto as oportunidades e as possíveis soluções (as perspectivas positivas) para essa nova realidade demográfica.

Essa nuance foi o detalhe que separou o texto nota dez daquele que apenas tangenciou o assunto. Era necessário ir além de apenas listar os problemas.

🧐 A importância de não focar só no problema

Muitos candidatos podem ter caído na armadilha de focar apenas no etarismo (o preconceito contra a idade) ou na fragilidade do sistema de saúde, que são problemas reais e importantes. No entanto, a palavra-chave “perspectivas” pedia mais.

As perspectivas negativas envolvem a falta de infraestrutura urbana adaptada, a baixa segurança social, o já citado preconceito e, claro, o achatamento das aposentadorias que colocam o sistema previdenciário em xeque.

Os textos motivadores davam várias pistas. Um deles, por exemplo, trazia dados mostrando que os idosos são, muitas vezes, os principais mantenedores do lar, ressaltando a importância econômica e o peso da responsabilidade em uma idade avançada.

Já as perspectivas positivas ou de solução abriam espaço para discutir o envelhecimento ativo. Era possível falar sobre a inclusão digital dessa faixa etária e as novas oportunidades de trabalho e renda, valorizando a experiência e o conhecimento acumulado.

O estudante que conseguiu equilibrar esses dois lados e ainda apresentar uma proposta de intervenção robusta e viável mostrou que entendeu a complexidade do tema.

📚 Repertórios socioculturais que se encaixavam

Para construir uma argumentação sólida, era fundamental recorrer ao repertório sociocultural. O tema permitia uma vasta gama de referências que ajudariam a sustentar a tese.

A citação do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) era quase obrigatória, pois ele garante direitos e proteção legal à pessoa idosa. Mencionar a Constituição Federal de 1988, que coloca a saúde e o bem-estar como dever do Estado, também fortalecia o argumento.

No campo das artes e da cultura, referências visuais ou cinematográficas enriqueciam o texto. Filmes como “O Senhor Estagiário” mostram a reinserção de pessoas mais velhas no mercado de trabalho, combatendo o etarismo.

Outros repertórios podiam vir do universo da literatura. Um dos textos motivadores chegou a citar a escritora Clarice Lispector ao tratar da invisibilidade social dos idosos, mostrando como eles são tratados como “móveis velhos” em casa.

A chave do sucesso era usar esses elementos não apenas para enfeitar o texto, mas para dialogar de fato com a argumentação, provando a tese do candidato e demonstrando um profundo conhecimento social e cultural.

A prova de redação do Enem 2025 reforça a tendência de focar em temas sociais importantes e que exigem não só conhecimento, mas também um olhar crítico e propositivo para os problemas do país.