Crise dos protetores solares na Austrália levanta alerta mundial sobre segurança dos produtos

Estudos revelaram que marcas conhecidas vendiam protetores com FPS muito abaixo do indicado, gerando desconfiança e investigações

A Austrália, que já registra algumas das maiores taxas de câncer de pele no mundo, vive uma crise inesperada ligada ao seu principal aliado contra os raios solares: o protetor solar.

O problema veio à tona em junho, quando uma entidade de defesa do consumidor testou 20 produtos e descobriu que apenas 4 ofereciam o FPS prometido nos rótulos. Um dos casos mais chocantes envolveu um protetor anunciado como FPS 50+, que na prática apresentou proteção semelhante a um creme de apenas FPS 4.

A revelação gerou indignação entre consumidores e abriu discussões sobre os mecanismos de fiscalização do setor. Marcas foram obrigadas a recolher lotes, órgãos reguladores iniciaram investigações e a confiança do público foi abalada.

Em meio a protestos, empresas suspenderam linhas inteiras de protetores, enquanto comunicados de desculpas se multiplicaram. Mesmo assim, o episódio expôs fragilidades da maneira como esses produtos são testados e avaliados em todo o mundo.

A polêmica dos testes de FPS

O fator de proteção solar (FPS) é o número que mostra quanto um produto consegue filtrar da radiação UVB. Ele é calculado em laboratório, normalmente usando voluntários de pele clara. Metade da pele é protegida com o produto, outra parte fica exposta, e os pesquisadores verificam qual dose de sol causa vermelhidão em cada área.

Apesar de parecer um processo simples, especialistas lembram que o teste é delicado e sujeito a variações. A tonalidade das paredes do laboratório, o tipo de luz, e até hábitos de uso, como contato com água e suor, podem alterar os resultados. Isso abre espaço para inconsistências e até manipulação nos relatórios.

Na investigação australiana, foi apontado que metade dos protetores reprovados havia passado antes por um laboratório norte-americano já conhecido por apresentar resultados inflados. Além disso, muitos produtos compartilhavam fórmulas semelhantes, fabricadas por uma mesma empresa na Austrália Ocidental.

Reações e consequências

A Therapeutic Goods Administration (TGA), agência reguladora de medicamentos do país, confirmou as falhas e admitiu que vai rever seus protocolos de teste. Ainda assim, ressaltou que a responsabilidade final pela veracidade das informações é das próprias fabricantes.

Enquanto isso, marcas globais como Neutrogena, Banana Boat e até a organização Cancer Council contestaram os resultados divulgados, alegando que seus testes internos confirmam os rótulos. A pressão social, porém, foi tão forte que muitas optaram por recolher os produtos ou suspendê-los temporariamente.

Esse cenário expôs uma fragilidade não só da fiscalização, mas também da confiança do consumidor, já que os protetores solares são essenciais em um país tão ensolarado quanto a Austrália.

Diferenças na regulação internacional

O caso chamou atenção também porque a Austrália trata os protetores como medicamentos, e não apenas cosméticos, como ocorre em regiões da Europa. Isso, em tese, deveria garantir um nível de exigência maior.

No Brasil, por exemplo, a Anvisa considera os protetores como produtos de grau 2, que precisam de registro formal antes de serem vendidos, justamente por trazerem benefício específico à saúde. Já cosméticos básicos, como desodorantes, ficam em categoria inferior e só precisam ser notificados.

Ainda assim, mesmo com rigor formal, a crise mostrou que falhas podem passar despercebidas, dependendo da forma como os testes são conduzidos.

Impacto além da Austrália

Como muitos fabricantes e laboratórios atuam em mais de um continente, especialistas alertam que os mesmos erros podem estar presentes em produtos vendidos na Europa, Ásia e até nas Américas.

A química cosmética Michelle Wong destacou em entrevista que o problema dificilmente é exclusivo dos australianos. Segundo ela, a dependência global de uma mesma rede de fabricantes e testadores cria um risco evidente de repetir falhas em vários mercados.

Essa constatação reforça a percepção de que o episódio australiano pode ser apenas a ponta do iceberg de uma questão regulatória internacional.

O que médicos continuam recomendando

Apesar da polêmica, especialistas em saúde são unânimes em repetir um aviso importante: o uso de protetor solar diário continua indispensável. O ideal é aliá-lo a outros cuidados, como roupas de proteção, bonés, óculos escuros, preferência por sombra e reaplicação frequente ao longo do dia.

Afinal, em um país onde os índices de radiação ultravioleta são dos mais altos do mundo, não existe margem para descuido. E, mesmo em outras partes do planeta, o cuidado com a pele deve ser uma prioridade para evitar problemas no futuro.