Mutação rara no gene CCR5 revela por que algumas pessoas são imunes ao HIV

A mutação genética CCR5-Δ32 impede que o HIV consiga se conectar às células de defesa do corpo.

Em 1995, Timothy Ray Brown recebeu um diagnóstico duplo que mudou sua vida para sempre: HIV e leucemia. Onze anos depois, ao tratar o câncer com transplante de medula, ele se tornou a primeira pessoa do mundo a alcançar a cura definitiva do HIV. Uma história que parecia quase impossível abriu caminho para uma nova forma de pensar sobre a doença.

O segredo por trás desse feito está em uma mutação genética rara, chamada CCR5-Δ32. Essa alteração impede que o vírus entre nas células de defesa, tornando algumas pessoas naturalmente resistentes à infecção. Embora extremamente incomum, esse detalhe genético foi decisivo para os sete casos já confirmados de cura completa.

Hoje, milhões de pessoas convivem com o HIV de maneira controlada graças aos antirretrovirais. Esses medicamentos impedem o avanço da doença e garantem qualidade de vida, mas precisam ser tomados todos os dias. A cura definitiva continua sendo um desafio, e por isso os casos ligados à mutação CCR5 chamam tanta atenção.

Na prática, entender por que algumas pessoas não são infectadas pode abrir caminhos para novos medicamentos e até para técnicas de edição genética. Ainda não é uma realidade acessível, mas a ciência avança a cada novo passo.

Como o HIV age no corpo

O HIV ataca o sistema imunológico, infectando principalmente os glóbulos brancos, que são as células responsáveis por proteger o corpo contra doenças. Para invadir a célula, ele precisa se conectar a duas “portas de entrada”: a molécula CD4 e a proteína CCR5.

Quando uma pessoa tem a mutação CCR5-Δ32 em duas cópias do gene — uma herdada do pai e outra da mãe — essa “porta” simplesmente não funciona. Resultado: o vírus não consegue entrar nas células. Quem nasce assim se torna altamente resistente ou até imune ao HIV.

Já quem tem apenas uma cópia do gene mutado pode ser infectado, mas a progressão da doença tende a ser mais lenta. Isso mostra como pequenas diferenças genéticas podem mudar totalmente o desenvolvimento do vírus em cada organismo.

O caso emblemático de Timothy Brown

Quando Brown foi diagnosticado com leucemia, seus médicos perceberam uma oportunidade rara. Eles buscaram um doador de medula óssea que tivesse a mutação CCR5-Δ32. Após o transplante, o corpo de Brown passou a produzir glóbulos brancos resistentes ao HIV.

Com o tempo, os exames mostraram que o vírus já não estava mais presente. Brown entrou para a história como o “paciente de Berlim” e inspirou outros tratamentos semelhantes. Desde então, pelo menos seis pessoas em situações parecidas também foram curadas.

Esses casos, no entanto, continuam sendo exceções. O transplante de medula é um procedimento complexo, arriscado e agressivo, indicado apenas quando o paciente já enfrenta doenças graves como certos tipos de câncer.

A raridade da mutação

A presença da mutação que protege contra o HIV é mais comum em populações do norte da Europa, especialmente nos países nórdicos. Nesses locais, até 15% das pessoas carregam pelo menos uma cópia da variante genética, mas só de 1% a 2% têm as duas cópias necessárias para a imunidade total.

Em regiões com pouca herança genética europeia, como a maior parte da América Latina, a mutação é extremamente rara. Nas Ilhas Faroe, ligadas à Dinamarca, estão os maiores índices já registrados: cerca de 2,3% da população é considerada naturalmente imune ao HIV.

O que a ciência faz com essa informação

Pesquisadores buscam formas de transformar essa vantagem genética em tratamentos mais seguros e acessíveis. O medicamento maraviroque, por exemplo, já é usado em conjunto com outros antivirais para bloquear a proteína CCR5. Ele não é a cura, mas dificulta a entrada do vírus nas células.

Outros medicamentos semelhantes, como o leronlimabe, estão em fase de estudos. Além disso, cientistas exploram ferramentas de edição genética, como o CRISPR, para tentar “desligar” o gene CCR5 e reproduzir artificialmente o efeito da mutação.

É importante destacar que essa proteção funciona apenas contra as variantes do HIV que dependem da proteína CCR5. Algumas versões mais raras do vírus usam outra proteína, chamada CXCR4, como porta de entrada, o que mostra como o desafio é ainda maior.

Um futuro em construção

Apesar das dificuldades, cada passo da ciência amplia as chances de encontrar um caminho para a cura definitiva. Casos como o de Timothy Brown mostram que é possível romper com o ciclo da infecção.

Enquanto isso, os tratamentos disponíveis garantem às pessoas que vivem com HIV uma vida saudável e estável, sem impedir estudos que apontem para novas soluções. Como costuma acontecer com grandes descobertas médicas, o impossível parece cada vez mais próximo