Apesar de a lei proibir castigos físicos como palmadas e beliscões, quase um terço dos cuidadores de crianças com até 6 anos ainda confessa usar esses métodos para disciplinar. Desses, 13% afirmam que fazem isso sempre. Essa realidade foi revelada no estudo “Panorama da Primeira Infância”, que foi lançado recentemente pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Ao todo, 2.206 pessoas foram entrevistadas no Brasil, incluindo 822 cuidadores de crianças nessa faixa etária. O estudo, que marca o Agosto Verde, uma ação de conscientização sobre a primeira infância, identificou que 17% dos cuidadores veem esses castigos como uma maneira eficaz de disciplinar. É preocupante saber que 12% agem de forma agressiva, mesmo cientes de que isso não é uma boa prática educativa.
O que diz a lei
Aqui no Brasil, a Lei Menino Bernardo, ou Lei da Palmada, em vigor há mais de dez anos, proíbe esses tipos de castigos. Aqueles que praticam a violência podem ser advertidos e encaminhados para cursos de orientação. O nome da lei é uma lembrança trágica do caso de Bernardo Boldrini, uma criança que sofreu agressões e faleceu em 2014 em decorrência delas.
Mariana Luz, diretora-executiva da fundação, expressou sua tristeza com os dados do levantamento. Ela acredita que essa mentalidade ainda reflete um padrão cultural que não é eficaz. Na visão dela, a ideia de que “quem apanhou na infância sobrevive” reproduz um ciclo nocivo. “Essa abordagem não ajuda em nada”, enfatiza.
As consequências da violência
A Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal ressalta que a violência, seja ela física ou emocional, deixa marcas profundas nas crianças. Os efeitos podem incluir problemas como agressividade, ansiedade e até depressão. Além disso, 14% dos cuidadores admitiram que gritam ou brigam com as crianças.
Embora o estudo mostre uma tendência para práticas mais rígidas, os métodos mais populares para disciplina ainda incluem conversar e explicar o erro, com 96% dos entrevistados apontando essas abordagens. Muitas pessoas acreditam que castigos físicos trazem um "maior respeito pela autoridade", mas 33% reconhecem que isso pode resultar em comportamento agressivo e 21% acham que a autoestima da criança pode ser afetada.
A importância da primeira infância
Um dado alarmante do estudo é que 84% dos entrevistados não sabem que a primeira infância, que vai até os 6 anos, é a fase mais crucial para o desenvolvimento humano. A definição da primeira infância é respaldada pela legislação brasileira, mas apenas 2% da população consegue identificar claramente esse período.
Durante os primeiros anos de vida, o cérebro de uma criança forma nada menos que 1 milhão de sinapses por segundo. A diretora Mariana Luz ressalta que todos os principais desenvolvimentos físicos, motores e emocionais acontecem nessa etapa. Apesar das provas científicas, muitos ainda acreditam que o maior desenvolvimento ocorre na adolescência ou na vida adulta.
É fundamental aumentar a conscientização sobre a importância deste período. Mariana compara a situação atual com a absorção de conhecimentos sobre a terceira idade, que já é reconhecida e valorizada pela sociedade.
Brincar é essencial
Na pesquisa, 96% dos entrevistados consideram importante ensinar respeito aos mais velhos. Contudo, isso parece ofuscar a importância de outras práticas que, segundo os estudos, são vitais para o desenvolvimento infantil, como brincar e ter interações significativas.
Mariana destaca que a brincadeira deve ser vista como o eixo central do aprendizado na primeira infância. "Você não pode simplesmente sentar uma criança e esperar que ela aprenda com a escrita", explica.
Tempo de tela
O estudo também aponta que, em média, crianças nessa faixa etária passam duas horas diárias em frente a telas, como televisão ou tablets. Para 40% delas, esse tempo pode variar entre duas a três horas, o que preocupa a Sociedade Brasileira de Pediatria. A recomendação é que crianças com até 2 anos não tenham contato com telas e, entre 2 e 5 anos, o tempo deve ser limitado a uma hora com supervisão.
Mariana sugere que, em vez de recorrer às telas, os cuidadores incluam as crianças nas atividades do dia a dia. Envolver os pequenos em tarefas como lavar a louça ou colocar roupa no varal pode ser uma forma eficaz de reduzir o tempo de exposição às tecnologias.
A questão da responsabilidade pela educação das crianças é coletiva. Mariana defende que tanto a sociedade quanto o Estado devem se unir para garantir que todas as crianças tenham acesso a creches e pré-escolas, um direito garantido pela Constituição.