Capes registra desistência de 96 brasileiros em doutorado nos EUA

Ao menos 96 pesquisadores brasileiros decidiram não seguir com seus programas de doutorado nos Estados Unidos, conforme informações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a Capes. Esses cientistas estavam com a chance de receber bolsas de doutorado sanduíche no país, mas acabaram optando por mudar seus planos ou adiar suas pesquisas.

A presidente da Capes, Denise Pires de Carvalho, trouxe essas informações em uma conversa recente. Ela acredita que as desistências estão ligadas ao clima de incerteza que tomou conta das universidades e da pesquisa nos EUA sob a administração de Donald Trump. O corte de verbas em instituições de ensino e os constantes ataques a certos setores de pesquisa têm deixado muitos investigadores inseguros.

Denise enfatizou que essas desistências aconteceram antes mesmo de os pesquisadores solicitarem o visto americano. “O motivo não foi o visto em si, mas alguma questão relacionada ao desenvolvimento do projeto de pesquisa nos Estados Unidos”, explica. Isso mostra que a decisão de não ir foi mais sobre a viabilidade dos projetos do que questões burocráticas.

A Capes oferece bolsas para alunos brasileiros que desejam complementar sua formação em outros países, incluindo os EUA. O processo envolve que as instituições brasileiras e os próprios alunos escolham onde querem estudar. Normalmente, entre julho e agosto, a Capes prepara os pagamentos para que os alunos viagem em setembro e realizem uma parte de sua pesquisa no país escolhido.

É realmente desanimador ver estudantes que se esforçam para sair do país e acabam impedidos de realizar seus objetivos. “Ir para fora não é só passear; é sobre trabalho e desenvolvimento”, destaca Denise. A dificuldade de sair do Brasil para trabalhar e, ao chegar lá, não conseguir realizar a pesquisa desejada é um grande desafio.

Menos Bolsas em 2025

Denise também mencionou que, até agora, não houve restrições oficiais que impeçam os estudantes brasileiros de receberem bolsas nos EUA, mas a realidade internacional está afetando essa oferta. No último ano, foram oferecidas 880 bolsas só para os Estados Unidos. Este ano, a meta inicial era de 1,2 mil bolsas, mas agora se fala em apenas 350.

Recentemente, Denise fez um alerta para que os estudantes e pesquisadores que planejam uma ida para os EUA tenham um plano B. Segundo ela, esse fechamento dos Estados Unidos em relação à ciência pode impactar não só o Brasil, mas o cenário global. “É bom saber que a ciência se desenvolve em várias partes do mundo, e não podemos depender apenas de um só país”, observa.

Ela ainda reforçou que pode ser possível mudar o país de destino das pesquisas, evitando prejuízos às teses em andamento. O objetivo é garantir que esses alunos voltem para implementar novas tecnologias no Brasil, contribuindo com o desenvolvimento nacional.

Os destinos mais populares entre os pesquisadores brasileiros costumam ser França, Portugal, Espanha e os já mencionados Estados Unidos. Curiosamente, a procura por países do Brics, como China e África do Sul, ainda não despontou tanto. Nos últimos dez anos, só foram concedidas 49 bolsas para a China e 84 para a África do Sul, em contraste com as cerca de 9 mil para os EUA.

Não Há Portas Fechadas

A situação é ainda mais complexa, com o presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Márcio de Araújo Pereira, alertando que os pesquisadores brasileiros estão buscando alternativas. Contudo, até agora, não há dados concretos sobre como essa mudança está afetando a ciência e a concessão de bolsas para os EUA.

“Cada estado opera com seus próprios editais, que foram elaborados antes dessa conjuntura atual”, aponta Márcio. Assim como Denise, ele vê uma crescente busca por parcerias na Europa, com muitas universidades do Reino Unido também interessadas em criar vínculos.

É importante ressaltar que não há intenção de romper relações com os Estados Unidos. “Temos portas abertas. O investimento em ciência precisa continuar, pois só com colaboração podemos avançar”, enfatiza.

As Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, ou FAPs, são vitais para apoiar a pesquisa no Brasil, oferecendo desde bolsas até incentivos a empresas inovadoras. Em 2024, elas investiram cerca de R$ 4,8 bilhões, superando os R$ 3,46 bilhões da Capes.

Brasileiros nos EUA

Apesar de toda a incerteza, a gerente de Relacionamento com Universidades da Fundação Lemann, Nathalia Bustamante, acredita que a presença de brasileiros nas universidades dos EUA é crucial. “Os Estados Unidos têm algumas das melhores instituições do mundo. É fundamental que nossos estudantes e pesquisadores ocupem esses espaços”, comenta.

Ela acredita que é um ganho para o Brasil ver talentos diversos tendo acesso a formações de alta qualidade e retornando para contribuir no desenvolvimento do país. A Fundação Lemann já concedeu 840 bolsas a alunos brasileiros, sendo 760 para os EUA.

“Nossas medidas e o ambiente nos EUA ainda são novos, e estamos atentos aos acontecimentos”, garante Nathalia. A intenção é manter o apoio aos estudantes brasileiros em suas jornadas acadêmicas no exterior.