Em uma tarde de 2015, Jared Towers, um pesquisador, estava navegando na costa de Alert Bay, na Colúmbia Britânica, quando presenciou um momento bastante inusitado. Enquanto observava orcas se alimentando de aves marinhas, ele viu uma jovem orca chamada Akela surgindo com uma ave na boca. O que aconteceu a seguir surpreendeu a todos: Akela nadou em direção a Towers, deixou a ave perto dele e ficou esperando. O irmão dela, Quiver, fez a mesma coisa logo em seguida. Assim que as orcas perceberam que Towers não pegou as aves, elas as recuperaram e se afastaram.
Essa cena peculiar deixou Towers intrigado. Desde então, ele e sua equipe vêm investigando esse comportamento misterioso das orcas selvagens, que parece ir além da alimentação.
Presente ou experimento?
Jared se juntou a outras pesquisadoras, como Ingrid Visser, da Nova Zelândia, e Vanessa Prigollini, do México, para entender melhor esse fenômeno. Juntos, registraram 34 casos de interações semelhantes entre 2004 e 2024. As orcas se aproximavam voluntariamente, deixavam um item — geralmente uma presa recém-abatida — e aguardavam a reação dos humanos.
Essas oferendas não eram simples de ignorar. Em um caso, um jovem macho na Nova Zelândia carregava uma arraia em cima da cabeça, e outra orca norueguesa presentou um mergulhador com uma água-viva. No total, foram detectadas 18 espécies diferentes sendo oferecidas, incluindo raias, tartarugas marinhas e até pedaços de baleia-cinzenta. Curiosamente, mesmo quando receberam um "não", muitas orcas tentaram oferecer novamente. Esse comportamento levantou a hipótese de que essas criaturas estão, de fato, explorando e aprendendo com suas interações.
Altruísmo ou curiosidade?
As orcas são conhecidas por sua inteligência e comportamento social. Elas vivem em grupos coesos, compartilham alimentos e usam estratégias em suas caças. Essa estrutura social é rica e cheia de cultura, com transmissão de conhecimentos entre elas.
Entretanto, compartilhar com humanos é algo raro no reino animal. O estudo sugere que esses gestos podem ser sinais de “altruísmo generalizado”, em que um animal age de maneira generosa com outra espécie, sem aparentar benefício. Outros animais, como primatas, golfinhos e algumas aves, também já mostraram esse tipo de atitude. Para a neurocientista Lori Marino, as orcas podem estar expressando em relação aos humanos a mesma boa vontade que têm entre elas.
Reconhecimento de consciência
Alguns cientistas acreditam que as orcas podem perceber os humanos como seres conscientes. Essa noção se liga à chamada "teoria da mente", que é a habilidade de entender que outros têm pensamentos e intenções próprias. Essa capacidade não está presente apenas nos humanos, mas também foi observada em chimpanzés, aves e golfinhos. Se as orcas realmente estão interagindo intencionalmente, isso pode significar que elas compartilham essa habilidade cognitiva avançada.
Por que agora?
As orcas são predadoras que demonstram comportamentos variados de caça, atacando diferentes tipos de presas, desde peixes até tubarões. Muitas vezes, sobram restos após as caçadas, criando oportunidades para experimentação social, como sugere Towers.
O curioso é que, em 97% dos registros, as orcas observaram o que os humanos faziam após a entrega das presas. Quando o item era devolvido, algumas orcas insistiam em reapresentá-lo, sugerindo que a interação vai além da alimentação — parece que elas estão buscando aprender e estabelecer um entendimento maior.
Diferenças entre grupos
Vale notar que nem todas as populações de orcas adotam esse comportamento. Os casos registrados envolvem grupos que caçam na superfície. No entanto, grupos que dependem da ecolocalização para caçar no fundo do mar não demonstraram essa iniciativa. Isso sugere que a visão e o jogo social podem ser fundamentais nessas interações. Em 38% dos registros, as orcas estavam brincando com as presas antes de oferecê-las, um sinal de que a troca pode ter um elemento lúdico.
Esse comportamento variava entre adultos, jovens e até filhotes, levantando a hipótese de que seja um traço aprendido e transmitido através das gerações.
Um novo traço cultural?
Muitas dessas interações ocorreram entre orcas de matrilinhagens, ou seja, grupos liderados por fêmeas e baseados em laços familiares. Towers considera essa possibilidade bastante plausível: oferecer presas poderia ser mais do que uma brincadeira; poderia ser uma tentativa de estabelecer laços e conexões entre espécies.
As orcas não são novas em interações com humanos. Historicamente, já ajudaram baleeiros a capturar outros cetáceos em troca de restos. No entanto, a ideia de oferecer presas diretamente e de forma aparentemente intencional é algo novo.
Os pesquisadores sugerem que essas interações podem representar uma combinação de comportamento curioso e social — um jeito de construir laços. Por outro lado, é essencial ter cautela. As orcas são animais selvagens e poderosos, e mal interpretar esses gestos pode ser arriscado.
Towers acredita que é complicado entender o que uma orca está pensando. Mas quando uma delas chega até você e deixa uma foca aos seus pés, é difícil não sentir que há uma mensagem nesse ato.