Aquífero Guarani: um dos maiores reservatórios de água doce

Conheça um dos maiores reservatórios de água doce do mundo, uma riqueza invisível que abastece milhões, mas enfrenta sérios riscos de superexploração e contaminação.

Debruçando-se sobre o solo brasileiro e se estendendo por outros três países, encontramos uma verdadeira joia: o Sistema Aquífero Guarani. Ao contrário da ideia de um vasto rio subterrâneo de 4 mil km, o aquífero é uma impressionante formação de rochas porosas que armazena uma das maiores reservas de água doce do planeta. Essa riqueza é fundamental não apenas para a segurança hídrica de milhões de pessoas, mas também está ameaçada por riscos sérios, como a superexploração e a contaminação.

O que é o Aquífero Guarani? Muito mais que um rio subterrâneo

É fácil pensar em um rio abaixo da terra, mas essa imagem não faz jus à realidade. O Aquífero Guarani é composto por um sistema complexo de camadas de arenito, como as Formações Botucatu e Pirambóia, que atuam como uma esponja, armazenando e transportando água de forma lenta. Esse processo de percolação pode levar séculos.

O aquífero abrange uma área total de aproximadamente 1,2 milhão de km², estendendo-se pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Se você olhar com atenção, vai perceber que cerca de 70%, ou seja, 840.000 km², desse território está localizado no Brasil. Os estados mais afetados incluem Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

É importante esclarecer que o volume total de água armazenada não é o mesmo que o que pode ser usado de forma segura. A recarga anual desse aquífero, proveniente das chuvas, é cerca de 160 km³. Contudo, o potencial sustentável de exploração é de aproximadamente 40 km³ por ano, garantindo que a água, que geralmente é de excelente qualidade, permaneça potável e, muitas vezes, dispensando tratamento.

A importância estratégica do Aquífero

O Aquífero Guarani é fundamental para o crescimento urbano e rural do Brasil. Ele abastece entre 15 e 25 milhões de pessoas, sendo uma fonte essencial de água para várias cidades. Em Ribeirão Preto, por exemplo, 100% da água consumida provém desse aquífero.

Além de atender às necessidades diárias, o aquífero é um motor econômico. Ele atrai diversas indústrias, como as dos setores alimentício, metal-mecânico e sucroalcooleiro. Seu papel na agricultura é fundamental, principalmente para a irrigação de culturas como a cana-de-açúcar e frutas cítricas. E não podemos esquecer que o aqui deve manter rios e nascentes vivos, garantindo fluxo mesmo em períodos de seca.

Essa dependência do aquífero gera um ciclo complicado. Os setores que mais usufruem dessa fonte de água, como a agricultura intensiva e o crescimento urbano, são também os que mais a ameaçam, seja pela superexploração ou pela poluição.

Os riscos da superexploração e contaminação

Apesar de sua vasta extensão, o Aquífero Guarani não é à prova de desafios. Em várias regiões, a retirada de água já ultrapassa a capacidade de recarga natural. Desde 2009, o sistema entrou em um estado preocupante de “rebaixamento”. Em algumas áreas, o nível já caiu mais de 100 metros, e em Ribeirão Preto, a extração chega a ser 30 vezes maior que a reposição.

A situação se complica ainda mais com a presença de poços clandestinos. Estima-se que 88% dos 2,5 milhões de poços de água no Brasil sejam ilegais, dificultando o controle real da quantidade de água retirada.

Além disso, a contaminação é um problema silencioso, com as áreas de recarga servindo como portais para poluentes. Os principais responsáveis incluem o uso de agrotóxicos na agricultura e resíduos urbanos e industriais, como os de lixões e vazamentos. Em Ribeirão Preto, já se detectaram vestígios de herbicidas em poços, que acendem um sinal de alerta.

Governança, leis e a cobiça sobre o Aquífero Guarani

Administrar um recurso tão valioso e compartilhado entre quatro países é um verdadeiro desafio. O Acordo do Aquífero Guarani, assinado em 2010, é uma tentativa de regulamentar o uso sustentável desse recurso. Cada país mantém a soberania sobre sua parte, mas há a necessidade de cooperação para preservá-lo.

No Brasil, a Constituição trata as águas subterrâneas como um bem público dos Estados. A Lei das Águas (Lei Nº 9.433/1997) reitera que o uso depende de uma autorização do poder público, a outorga. Isso significa que não se pode simplesmente vender o direito de usar o aquífero.

A discussão sobre a “cobiça internacional” e a privatização é um tema delicado. Enquanto empresas negam qualquer negociação, há preocupações reais sobre propostas que poderiam transformar a água em uma commodity negociável. Isso poderia permitir que grandes empresas monopolizassem os direitos de uso da água, funcionando como uma forma disfarçada de privatização.