Vale-alimentação é obrigatório por lei? Veja o que diz a legislação trabalhista

O vale-alimentação é um dos benefícios mais comuns e valorizados no mercado de trabalho brasileiro, figurando como um importante complemento na renda do trabalhador. Ele é oferecido por um grande número de empresas como parte de seus pacotes de remuneração, com o objetivo de auxiliar nos custos com a compra de gêneros alimentícios.

Apesar de sua popularidade, a concessão do vale-alimentação ainda gera muitas dúvidas tanto para empregadores quanto para empregados. A principal delas se refere à sua obrigatoriedade: a empresa é legalmente forçada a fornecer esse benefício? A resposta para essa pergunta não é simples, pois depende de uma série de fatores que vão além da legislação geral.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece os direitos e deveres básicos na relação empregatícia, mas nem todos os benefícios seguem uma regra universal. A obrigatoriedade do vale-alimentação, por exemplo, está frequentemente atrelada a negociações entre sindicatos e empresas, formalizadas em acordos e convenções coletivas.

Nesse contexto, é fundamental compreender as nuances da legislação trabalhista, as diferenças entre os tipos de auxílios para alimentação e as regras do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).

O que é o vale-alimentação e como ele funciona

O vale-alimentação é um benefício concedido pelo empregador para que o trabalhador possa adquirir produtos alimentícios para preparo em casa. Ele se destina, portanto, à compra de itens em supermercados, hipermercados, açougues, mercearias e estabelecimentos similares, funcionando como um complemento para a cesta básica da família.

Geralmente, o benefício é disponibilizado por meio de um cartão magnético com um crédito mensal predefinido pela empresa. Esse cartão é aceito em uma ampla rede de estabelecimentos credenciados, permitindo que o trabalhador tenha autonomia para escolher os produtos que melhor atendem às suas necessidades e preferências.

É importante destacar que o propósito do vale-alimentação é estritamente nutricional. Sua finalidade é garantir que o empregado tenha acesso a uma alimentação mais adequada, o que contribui para sua saúde, bem-estar e qualidade de vida. Por essa razão, seu uso é restrito à compra de gêneros alimentícios.

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Vale-alimentação é previsto na CLT?

Uma das principais fontes de dúvida sobre o tema é se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina a obrigatoriedade do vale-alimentação. A resposta direta é não. A legislação trabalhista brasileira, em seu texto principal, não impõe ao empregador o dever de fornecer vale-alimentação ou qualquer outro tipo de auxílio para alimentação.

A CLT estabelece uma série de direitos obrigatórios para todos os trabalhadores com carteira assinada, como férias remuneradas, 13º salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o vale-transporte, este último sob condições específicas. Os benefícios relacionados à alimentação, contudo, são considerados facultativos pela lei geral.

Dessa forma, a decisão de oferecer o vale-alimentação parte, a princípio, da liberalidade do empregador. Muitas empresas o adotam como um diferencial competitivo para atrair e reter talentos, melhorar o clima organizacional e aumentar a satisfação de suas equipes, mas não por uma imposição direta da CLT.

Quando o empregador é obrigado a oferecer o benefício

Apesar de não ser uma obrigação prevista na CLT, existem situações específicas em que o fornecimento do vale-alimentação se torna compulsório para a empresa. A principal delas ocorre quando o benefício é estabelecido em Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) ou em Convenções Coletivas de Trabalho (CCT).

Esses acordos e convenções são negociados entre os sindicatos representantes dos trabalhadores e os sindicatos patronais ou diretamente com as empresas. Uma vez firmados e registrados, eles adquirem força de lei para as categorias profissionais que representam. Portanto, se um acordo coletivo determina a concessão do vale-alimentação, todas as empresas abrangidas por ele devem cumprir a regra.

Outra situação que torna o benefício obrigatório é a sua previsão no contrato de trabalho individual. Se, no momento da contratação, a empresa promete formalmente o vale-alimentação como parte do pacote de remuneração e o registra no contrato, ela cria uma obrigação contratual e não pode suspendê-lo unilateralmente.

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Diferença entre vale-alimentação e vale-refeição

É muito comum que os termos vale-alimentação (VA) e vale-refeição (VR) sejam usados como sinônimos, mas eles se referem a benefícios com finalidades distintas. A diferença fundamental reside no tipo de produto que pode ser adquirido e nos estabelecimentos onde cada cartão é aceito.

O vale-alimentação, como o nome sugere, destina-se à compra de alimentos em seu estado “in natura” ou processado, para serem preparados posteriormente. Ele é utilizado para as compras do mês em supermercados, açougues, sacolões e padarias. Seu objetivo é subsidiar a alimentação do trabalhador e de sua família em casa.

Já o vale-refeição é voltado para o consumo de refeições prontas, geralmente durante o intervalo da jornada de trabalho. Ele é aceito em restaurantes, lanchonetes, cafeterias e outros estabelecimentos que servem comida pronta para consumo imediato. Portanto, enquanto o VA é para a despensa, o VR é para a refeição do dia.

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A principal diferença de uso reside no local de aceitação: o vale-alimentação é para supermercados, enquanto o vale-refeição é para restaurantes – Crédito: Jeane de Oliveira / pronatec.pro.br

Empresas que participam do PAT são obrigadas a conceder vale?

A participação no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) frequentemente gera confusão sobre a obrigatoriedade do benefício, mas a adesão ao programa não torna a concessão do vale obrigatória. O PAT é um programa de adesão voluntária criado pelo governo para incentivar as empresas a oferecerem benefícios alimentares.

A principal função do PAT é conceder incentivos fiscais às empresas que fornecem auxílio-alimentação a seus empregados. Ao se inscrever no programa, a companhia pode deduzir parte das despesas com o benefício do seu Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), além de obter isenção de encargos sociais sobre o valor concedido.

Portanto, a lógica é a seguinte: a empresa primeiro decide, por liberalidade ou por força de acordo coletivo, oferecer o vale-alimentação. Em seguida, ela pode se inscrever no PAT para obter as vantagens fiscais e a segurança jurídica de que o benefício não será caracterizado como salário. A adesão ao PAT é uma consequência, e não a causa da oferta do vale.

O que diz a legislação trabalhista sobre o vale-alimentação

Embora a CLT não obrigue o pagamento, a legislação trabalhista, incluindo a lei que instituiu o PAT (Lei nº 6.321/76), possui regras claras sobre a natureza do benefício quando ele é concedido. A principal determinação é que o valor pago como vale-alimentação não integra o salário do empregado para nenhum efeito legal.

Essa característica, conhecida como “natureza não salarial” do benefício, é de grande importância. Ela significa que o montante do vale-alimentação não entra no cálculo de outras verbas trabalhistas, como FGTS, contribuição para o INSS, 13º salário, férias e aviso prévio. Isso representa uma segurança financeira para o empregador.

Contudo, para que essa natureza não salarial seja garantida, é fundamental que o benefício não seja pago em dinheiro diretamente na folha de pagamento. O pagamento em espécie pode levar à interpretação de que o valor é parte do salário, gerando passivos trabalhistas. A forma correta e segura é a concessão por meio de cartões ou tíquetes específicos.

Trabalhador pode recusar o benefício ou trocá-lo por dinheiro?

Sim, o trabalhador tem o direito de recusar o recebimento do vale-alimentação. A adesão ao benefício é opcional, especialmente nos casos em que há uma coparticipação do empregado, ou seja, um desconto em sua folha de pagamento. A lei do PAT permite que a empresa desconte até 20% do valor do benefício do salário do trabalhador.

No que diz respeito à troca do benefício por dinheiro, a legislação é categórica: é proibido. O saldo do cartão vale-alimentação não pode ser sacado ou convertido em espécie. Essa vedação existe para assegurar que o benefício cumpra sua finalidade social, que é a de promover a segurança alimentar e nutricional do trabalhador.

A proibição da troca por dinheiro também serve para proteger a natureza não salarial do benefício. Se a conversão fosse permitida, o valor poderia ser facilmente descaracterizado como um auxílio alimentar e passar a ser entendido como uma complementação salarial, o que acarretaria a incidência de todos os encargos trabalhistas e previdenciários.

Penalidades para empresas que descumprem acordos coletivos

Quando a concessão do vale-alimentação é uma cláusula de um acordo ou convenção coletiva, seu descumprimento sujeita a empresa a penalidades. O não fornecimento do benefício nas condições negociadas com o sindicato é uma infração à legislação trabalhista, pois esses acordos têm força de lei.

As penalidades mais comuns estão previstas no próprio texto do acordo coletivo e geralmente incluem o pagamento de multas, que podem ser calculadas por empregado prejudicado e por mês de descumprimento. Além da multa, a empresa será obrigada a pagar retroativamente todos os valores do benefício que não foram concedidos.

Adicionalmente, os trabalhadores afetados ou o próprio sindicato da categoria podem acionar a empresa na Justiça do Trabalho para exigir o cumprimento da cláusula. Um processo judicial pode resultar em custos legais, desgaste da imagem da empresa e em um precedente negativo em futuras negociações coletivas.

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Vale-alimentação é obrigatório no contrato de estágio?

A Lei do Estágio (Lei nº 11.788/2008) define as obrigações da parte concedente para com o estagiário. Segundo a legislação, não há obrigatoriedade de fornecer vale-alimentação. Os direitos compulsórios para estágios não obrigatórios são o pagamento de uma bolsa-auxílio, a concessão de auxílio-transporte e a contratação de um seguro contra acidentes pessoais.

Assim como ocorre com os empregados regidos pela CLT, o vale-alimentação pode se tornar obrigatório para o estagiário em duas situações específicas. A primeira é se o benefício estiver explicitamente previsto no Termo de Compromisso de Estágio (TCE), que é o contrato que formaliza a relação entre o estudante, a empresa e a instituição de ensino.

A segunda situação é se a convenção coletiva de trabalho da categoria principal da empresa estender expressamente esse benefício aos estagiários. Na ausência dessas duas condições, a concessão do vale-alimentação a estagiários é uma prática facultativa, adotada por muitas empresas como um atrativo para atrair jovens talentos.