Cidades esponja: arroz como solução para evitar enchentes
Imagine viver em uma cidade onde as chuvas vêm com tanta força que a água se acumula antes mesmo de ser drenada. Agora, visualize que, para enfrentar esse desafio, a solução vem de práticas ancestrais de cultivo, como as plantações de arroz em terraços. Embora possa parecer inusitado, isso está acontecendo em algumas das cidades que mais enfrentam problemas relacionados a enchentes.
Na Bangkok dos anos 80, a arquiteta paisagista Kotchakorn Voraakhom recorda com carinho de um tempo em que a enchente nas ruas a divertia. "Era uma felicidade só não precisar ir à escola porque não sabíamos como chegar lá", conta. Mas, após trinta anos, a realidade mudou. Em 2011, Bangkok enfrentou uma das maiores enchentes da história, que deixou mais de 800 pessoas mortas e milhões de desalojados. Aquela cidade que um dia foi apenas diversão tornou-se um símbolo da crise climática, e foi nesse cenário que Voraakhom decidiu agir.
Ela fundou o escritório Landprocess e passou a criar espaços urbanos que aceitam a água, ao invés de tentar bloqueá-la. Um dos seus projetos mais inovadores fica no telhado da Universidade Thammasat, onde, em vez de usar concreto, há terraços de arroz. Essa solução não apenas retém até 20 vezes mais água da chuva do que um telhado comum, como também ajuda a diminuir a temperatura interna do prédio e fornece alimentos. O espaço verde, que ocupa 22 mil metros quadrados, inclui 7 mil destinados à agricultura orgânica, sendo a maior fazenda urbana desse tipo na Ásia.
Esse conceito de "cidades-esponja", que inspira ao invés de drenar, também está se espalhando pela China, devido ao trabalho inovador do arquiteto Yu Kongjian. Ele defende que o segredo para lidar com a água da chuva está nas plantas e no solo, e não em tubulações de concreto. Yu implementou esse conceito em mais de 500 cidades na China, onde parques e telhados verdes ajudam a controlar as enchentes, reciclar água e criar áreas mais sustentáveis para as comunidades.
No Parque Yanweizhou, por exemplo, as inovações reduziram as cheias em até 63%. Já o Parque Houtan, em Xangai, transformou uma área de aterro em um local que purifica 800 toneladas de água por hectare diariamente. Outras partes do mundo, como Vietnã e Filipinas, também estão adotando essas práticas, criando casas flutuantes e estruturas acessíveis que enfrentam furacões e o aumento do nível do mar.
Porém, em Bangkok, a falta de áreas verdes ainda é um desafio. Com apenas sete metros quadrados por habitante, a cidade, que abriga cerca de 11 milhões de pessoas, apresenta uma urgência nesse contexto. Para combater isso, Voraakhom criou o Parque Centenário Chulalongkorn, que direciona a água da chuva para tanques subterrâneos, armazenando 4,5 milhões de litros de água.
A discussão sobre o uso de infraestruturas verdes versus rígidas é importante. Para o professor Wang Yuhong, a combinação dos dois métodos pode ser o ideal, embora a realidade em cidades superlotadas como Hong Kong exija soluções específicas. Tóquio, por exemplo, também tem apostado em reservatórios subterrâneos.
Para Voraakhom, o arroz simboliza uma reconexão. Para ela, ele representa como as populações do sudeste asiático sempre viveram em harmonia com a água. A necessidade de abraçar essa relação, ao invés de tentar controlá-la, se tornou mais urgente à medida que as mudanças climáticas intensificam as intensidades das chuvas e elevam o nível do mar.
“Estamos diante de um momento em que precisamos ser amigos da água”, afirma Yu Kongjian. Ao criar espaços que acolhem e absorvem a água da chuva, podemos mirar em um futuro urbano mais resiliente e sustentável.