Estatueta mesopotâmica é o artefato arqueológico mais caro, US$ 57 milhões

Uma pequena estatueta mesopotâmica, esculpida há mais de 5 mil anos, fez história ao ser vendida por mais de US$ 57 milhões em um leilão. Conhecida como Leoa de Guennol, essa peça não só quebrou recordes de vendas, mas também acendeu um debate sobre a posse e o valor de relíquias antigas. O que torna esse artefato tão especial e o que está em jogo quando se fala em sua origem?

A Leoa de Guennol possui apenas 8,3 centímetros, mas é cheia de simbolismo. Acredita-se que tenha sido esculpida por volta de 3000 a.C., em uma região perto da atual Bagdá, na antiga Mesopotâmia. O design é intrigante: um corpo humano musculoso com cabeça de leoa. Essa combinação sugere que a peça pode representar uma figura protetora, com significados que vão além do mero decorativo.

A estatueta ganhou seu nome da Coleção Guennol, de um colecionador chamado Alastair Bradley Martin, que a adquiriu em 1948. Ela ficou emprestada ao Museu do Brooklyn durante décadas antes de ser leiloada. O fato de estar exposta em um museu famoso elevou seu prestígio e valor. Especialistas veem a peça como um símbolo poderoso, mas ela vem acompanhada de um dilema — a falta de informações sobre seu contexto arqueológico.

Venda histórica na Sotheby’s

No dia 5 de dezembro de 2007, a Leoa de Guennol foi leiloada na Sotheby’s, em Nova York, e arrematada por impressionantes US$ 57.161.000. O comprador, até hoje, é desconhecido. Segundo o catálogo do leilão, a estatueta teria sido “supostamente encontrada perto de Bagdá” e vinha circulando em coleções privadas desde 1931. A falta de registros sobre seu local de escavação e as informações que poderiam relacioná-la a outros artefatos levantam alarmes entre arqueólogos, que veem a falta de contexto como uma grande perda.

Peças antigas como investimento financeiro

O caso da Leoa de Guennol não é um incidente isolado. Ele está dentro de uma tendência crescente em que objetos arqueológicos são vistos como investimentos financeiros. Uma arqueóloga, Morag M. Kersel, discute como a cobertura da mídia pode aumentar o valor de antiguidades, muitas vezes apresentando-as como oportunidades lucrativas. Após a venda, a revista Time publicou uma matéria sugerindo que até mesmo investidores com menos de US$ 10.000 poderiam entrar nesse mercado.

Enquanto isso, o incentivo à compra de artefatos sem origem conhecida gera preocupações. Muitos profissionais da arqueologia alertam que isso pode estimular saques de sítios arqueológicos e levar à destruição de contextos históricos valiosos.

O que se perde quando o contexto é ignorado

O principal foco das críticas em relação à Leoa de Guennol não é seu valor estético ou financeiro, mas a falta de um contexto arqueológico confiável. Sem saber se ela foi encontrada em uma tumba, templo ou residência, e sem registros sobre outros objetos ao redor, seu potencial científico se perde. A arqueologia moderna depende desse contexto para entender sociedades antigas. A trajetória comercial, por si só, não substitui informações arqueológicas importantes.

Kersel argumenta que a ausência de dados críticos sobre a localização e as circunstâncias da descoberta deixa lacunas na história humana. Essa falta de informações impede conclusões mais precisas sobre o uso cultural e social do artefato.

Da exposição pública ao desaparecimento privado

Durante quase 60 anos, a Leoa de Guennol esteve exposta ao público no Museu do Brooklyn, permitindo que especialistas e visitantes a estudassem. Após o leilão, a peça se tornou privada, levantando questionamentos sobre o acesso ao patrimônio cultural. Embora alguns acreditam que a circulação privada de artefatos enriquece a diversidade cultural, na prática, muitos desses objetos desaparecem do domínio público.

A venda da Leoa de Guennol reflete a batalha entre o comércio de arte e a preservação cultural. Quando um artefato se torna propriedade privada, sua contribuição como bem comum pode ser comprometida.

A disputa entre valor comercial e valor cultural

A estatueta permanece no centro de discussões relacionadas às antiguidades. Ela é um ponto de encontro entre arte, história, dinheiro e ética. A beleza e a singularidade da peça são inegáveis, mas seu desaparecimento do espaço público gera debates sobre quem deve ter acesso ao passado da humanidade.

Kersel afirma que o verdadeiro valor de um artefato reside na história que ele pode contar, e essa narrativa depende do seu contexto. Uma peça desconectada de suas origens se transforma em um objeto de decoração ou símbolo de status, perdendo muito de seu significado.

A Leoa de Guennol é um exemplo claro do que acontece quando relíquias arqueológicas são tratadas apenas como mercadorias. Com um preço tão alto, ela atraiu atenção global, mas também provocou discussões profundas sobre o futuro do patrimônio cultural.