Cargueiros nucleares: navios sustentáveis que podem navegar por 25 anos

O transporte marítimo é uma parte fundamental do comércio global, mas pouca gente se dá conta do tamanho do problema: ele é responsável por mais 1 bilhão de toneladas de CO₂ a cada ano. Para se ter uma ideia, isso equivale a mais emissões do que todo o Japão junta. Isso representa cerca de 3% das emissões globais de gases do efeito estufa, segundo a Organização Marítima Internacional (IMO). E, apesar de ser um setor crucial — já que 90% do comércio mundial passa pelos oceanos — a meta da IMO é descarbonizar completamente essa atividade até 2050.

Para chegar lá, as soluções tradicionais, como o uso de amônia e hidrogênio verde, podem não ser suficientes. O que se discute agora é uma revolução que pode mudar a cara do transporte marítimo: a utilização de navios movidos a reatores nucleares. Essa tecnologia, já conhecida na marinha militar, promete não apenas aumentar a eficiência, mas também eliminar as emissões durante a operação.

A resposta? Um velho conhecido: o reator nuclear

O reator nuclear, que vem sendo usado por décadas na marinha de guerra, está ganhando nova relevância. A empresa britânica Core Power, em parceria com a HD Korea Shipbuilding & Offshore Engineering e a Southern Company dos EUA, planejam lançar, até 2035, o primeiro navio cargueiro civil que funcionará com essa tecnologia. O reator que será adotado é da TerraPower, uma empresa cofundada por Bill Gates, focada em soluções de energia limpa.

Esse novo reator será modular e seguro, utilizando pressão atmosférica normal, o que, segundo especialistas, reduz drasticamente o risco de acidentes. A proposta inclui sistemas de segurança passiva. Isso significa que, mesmo em situações extremas, o sistema de resfriamento funciona sozinho, sem precisar de intervenção humana.

Um dado interessante é que o combustível desse reator pode durar toda a vida útil do navio, estimada em cerca de 25 anos. Isso elimina a necessidade de reabastecimento e, consequentemente, diminui custos e tempos de parada. Atualmente, cargueiros convencionais podem passar até um mês por ano apenas reabastecendo.

Além disso, ao não precisar de tanques de combustível enormes, que ocupam até 10% da capacidade dos navios tradicionais, esse espaço pode ser aproveitado para carga, o que gera mais lucro a cada viagem.

Entregas mais rápidas e menos carbono

Um dos principais problemas dos navios convencionais é que eles operam abaixo de sua velocidade máxima para economizar combustível. Isso acaba atrasando as entregas. Com a propulsão nuclear, no entanto, é possível manter uma velocidade máxima constante sem preocupação com a quantidade de combustível que está sendo consumido.

Em tempos de competição acirrada, essa rapidez se traduz em lucros. O CEO da Core Power, Mikal Boe, afirma que, se lançássemos um cargueiro nuclear hoje, a demanda seria imediata. Mas as barreiras ainda são muitas. A primeira é jurídica: nenhuma seguradora aceita cobrir navios movidos a energia nuclear, o que dificulta a operação em portos civis.

Ademais, a vulnerabilidade a sabotagens e colisões gera inseguranças, e a tecnologia precisa de um arcabouço internacional robusto antes de ser liberada para o setor privado.

Um histórico que inspira cautela

A ideia de navios civis nucleares não é nova. Em 1959, os EUA lançaram o NS Savannah, que era inovador, mas custava caro demais para se sustentar. Outros países tentaram seguir o mesmo caminho, mas se depararam com os mesmos problemas financeiros e resistência política. Hoje, mais de 160 navios militares utilizam fissão nuclear, mas na esfera civil, a tecnologia ficou adormecida.

A pressão por alternativas sustentáveis está crescendo. A Maersk, a maior armadora do mundo, já opera navios com combustível de metanol verde e outros grupos buscam soluções como amônia verde e propulsão eólica automatizada. Contudo, a infraestruturas para esses combustíveis ainda deixa a desejar.

Embora um cargueiro nuclear possa custar de duas a três vezes mais que um convencional, defensores da proposta argumentam que, no longo prazo, os custos operacionais são inferiores. Sem a necessidade de reabastecimento e com menos manutenção, a economia se acumula. A HD Korea estima que, após 25 anos, o custo operacional de um cargueiro nuclear pode ser metade do de um navio tradicional.

E o Brasil?

O Brasil, com uma costa extensa e um programa nuclear ativo, observa atentamente essas inovações. A Marinha Brasileira já está desenvolvendo, há anos, o submarino nuclear Álvaro Alberto, que incorpora tecnologias em parte nacionais. Essa experiência pode, no futuro, facilitar a análise de navios comerciais com propulsão nuclear, especialmente em rotas que conectam a América do Sul, Europa e Ásia.

No entanto, para isso acontecer, é essencial um debate público sobre a legalidade e segurança desse tipo de energia, já que a legislação brasileira, diferente de outros países, precisa de reformulações para permitir o uso civil de energia nuclear em embarcações.