Na Vila dos Pescadores de Ajuruteua, em Bragança, no nordeste do Pará, o abecedário que as crianças e adolescentes aprendem é bem especial. Em um galpão construído com troncos de madeira que o protege das marés, os alunos relacionam cada letra ao que vêem ao seu redor. O “R” é de rancho, o “O” de ostra, e assim vai — com o “Z” sendo de zangão e o “M” de mangue, que é o ambiente em que eles vivem e onde muitas famílias fazem sua subsistência.
A professora Pâmela Gonsalves conta que o método de ensino é bem diferente do tradicional. “Aqui, a gente incentiva os alunos a reconhecer o espaço deles a partir da leitura, usando muito mais a fala, os desenhos e jogos. Isso os ajuda a conectar as letras ao que vivenciam diariamente”, explica. Essa abordagem faz parte do projeto Mangues da Amazônia, conhecido como AlfaMangue.
### Educando e Reflorestando
O projeto vai além da alfabetização. Ele também se preocupa com o meio ambiente, promovendo o reflorestamento e mapeando as espécies do manguezal. A ideia surgiu ao perceber que muitos jovens da comunidade estavam com dificuldades de aprendizado, algumas crianças sequer sabiam ler ou escrever. As aulas são oferecidas em horários alternativos ao ensino regular, durante a semana e também aos fins de semana.
Na Vila dos Pescadores, onde não há escola, as crianças costumam ir para a comunidade vizinha, a Vila do Bonifácio, para estudar. Mas, segundo Pâmela, nem sempre isso é possível. “Quando a maré sobe, muitas vezes as crianças não conseguem atravessar a ponte e acabam faltando às aulas”, diz. Isso resulta em desafios na escrita e na leitura.
### Um Novo Olhar
Cerca de 25 crianças recebem esse apoio pelas aulas do AlfaMangue. O projeto opera em quatro municípios da região, ajudando entre 20 e 25 alunos em cada uma dessas localidades, totalizando mais de 1.600 crianças entre 7 e 11 anos. O foco, claro, é sempre o mangue, que serve como uma sala de aula natural, permitindo que as crianças aprendam com o que têm ao redor.
“A alfabetização é essencial, pois dá a oportunidade delas se integrarem à sociedade. Quando conseguem escrever seus próprios nomes, é uma grande conquista”, afirma Pâmela.
### Letras e Sonhos
Hévelly Fernandes, uma aluna de 8 anos, já percebeu avanços significativos. “Eu sei escrever meu nome melhor e aprendi sobre coisas que nem sabia que existiam. Quero ser pilota de avião, mas sei que preciso focar nos estudos”, conta. Em seu livro de estudos, ela desenhou seu animal favorito do mangue: um peixe. “Aprendi que cuidar do mangue é importante porque é dele que vem nosso alimento”, destaca.
Sua mãe, Rutelene Sousa, de 48 anos, acompanha o progresso da filha com muito orgulho. Ela vende peixes que o marido pesca e é assim que a família sobrevive. “Acordo às 5h da manhã, pego os peixes e vou vender com ela em Bragança. Depois, ela vai para a aula. Fico feliz que minha filha está aprendendo tanto, porque a vida é corrida e nem sempre conseguimos ensinar tudo”, afirma Rutelene.
### O Poder da Educação
Rutelene notou dificuldades de Hévelly na escrita e até tentou encontrar aulas particulares, mas não conseguiu. Agora, ela se emociona ao ver a filha lendo. “A educação traz muita luz, abre portas. Antes, éramos como cegos. Agora, quando lemos e escrevemos, conseguimos ver o mundo de outra forma”, reflete.
Na Vila do Tamatateua, outra comunidade do projeto, Edite Ribeiro da Silva, de 61 anos, também está realizando seus sonhos. Em dois meses, ela vai se formar em Educação do Campo. Edite coordena um grupo de mulheres que cuidam das mudas que serão plantadas nos manguezais e leva conversas sobre conscientização para as escolas.
Ela se lembra de sua infância, quando sua mãe e avó pescavam e tiravam caranguejos do mangue. “As pessoas muitas vezes não percebem a importância do manguezal para nós, que vivemos dele. Precisamos do mangue para nossa sobrevivência”, enfatiza.
Apesar de ter casado nova, ela sempre valorizou a educação e hoje se dedica a mostrar para os jovens a importância do aprendizado. “Temos que estudar para entender o mundo e buscar nosso direito à educação”, conclui.
As histórias de Hévelly e Edite mostram como a educação, aliada ao amor pelo meio ambiente, pode mudar realidades e construir futuros mais promissores em comunidades que, apesar dos desafios, se mantêm firmes e esperançosas.