Engenharia que viabiliza arranha-céus em solo instável na América Latina
Em uma faixa estreita de terra no litoral brasileiro, uma verdadeira revolução na engenharia está em andamento. Balneário Camboriú, em Santa Catarina, virou o lar de alguns dos maiores arranha-céus da América Latina. Isso só foi possível graças a uma engenharia sofisticada que cria fundações enormes para contornar um solo que, à primeira vista, não parece confiável, ancorando os prédios em rochas profundas e sólidas.
O epicentro inesperado da construção vertical na América Latina
Hoje, o Brasil se destaca como o líder em arranha-céus na América Latina, e Balneário Camboriú é o coração dessa transformação. A cidade abriga os edifícios mais altos do país, como as torres gêmeas do Yachthouse Residence Club, com 294 metros de altura.
Três principais fatores explicam essa intensa verticalização. Primeiro, a falta de terrenos. Balneário Camboriú está espremida entre o mar e a serra, o que faz com que o preço dos terrenos dispare e torna os projetos verticais a única saída viável.
Além disso, uma legislação flexível, como a "Outorga Onerosa do Direito de Construir", permitiu que os empreendedores construíssem mais altos e além das limitações típicas. E, é claro, o mercado de luxo atrai investidores dispostos a pagar por apartamentos em superestruturas, alimentando a demanda.
Essa combinação transformou a cidade em um verdadeiro laboratório de engenharia de edifícios altos, atraindo inovações e os melhores talentos do mundo.
Construindo arranha-céus sobre a areia da praia
A possibilidade de erguer arranha-céus na costa depende muito do que existe por baixo da superfície. O solo de Balneário Camboriú é um interessante paradoxo: em cima, há areia instável que não sustenta construções pesadas. As primeiras camadas são feitas por sedimentos moles, com pouca resistência.
Se as construções fossem feitas só sobre esse solo, haveria riscos de afundamento, como ocorreu com os famosos prédios “tortos” de Santos, em São Paulo. A solução não é tentar consertar o solo, mas atravessá-lo. A carga dos edifícios é transferida pelas camadas instáveis e ancorada firmemente na rocha sólida que está mais embaixo.
Por isso, a primeira etapa de qualquer projeto é uma investigação geotécnica minuciosa. Testes como a Sondagem à Percussão mapeiam o que há no subsolo, identificando a profundidade da rocha e garantindo a segurança da estrutura antes de qualquer coisa começar a ser construída.
A tecnologia oculta sob a fundação dos arranha-céus
A fundação de um arranha-céu atua como uma ponte entre o prédio e a rocha resistente lá embaixo. Para isso, usam-se tecnologias de fundações profundas, como estacas escavadas e hélices contínuas. O objetivo é transferir o peso monumental da estrutura através de duas maneiras: atrito lateral com o solo e resistência de ponta, apoiada diretamente na rocha.
Um exemplo marcante é o Yachthouse Residence Club. Sua fundação conta com 925 estacas de concreto armado, que vão até 28 metros de profundidade. Em cima delas, um massive bloco de concreto e aço, com 3,5 metros de altura, distribui o peso das torres. O processo de concretagem desse bloco foi algo inédito, exigindo 9.000 m³ de concreto.
Um dos maiores desafios foi controlar o calor gerado pela reação química do concreto. Para evitar fissuras e garantir a segurança, a equipe de engenharia usou gelo na mistura, fazendo com que a temperatura ficasse sob controle. Tudo isso foi monitorado em tempo real com o auxílio de sensores.
Controlando o vento e otimizando o peso dos arranha-céus
Além da fundação, a engenharia invisível continua nas estruturas que ficam acima do solo. Em arranha-céus altos e finos, o vento é um fator crítico. Eles precisam ser projetados para oscilar de maneira segura, mas essa oscilação deve ser quase imperceptível para os moradores. Os engenheiros utilizam megaestruturas de enrijecimento, como os outriggers, presentes nos andares 30 e 53 do Yachthouse.
Outro aspecto importante é a otimização do peso do prédio. O uso de Concreto de Alta Resistência (CAR), que tem mais de 50 MPa, permite que se façam pilares e vigas menores. Isso, por sua vez, reduz o peso total da estrutura e alivia a carga sobre as fundações. Esse tipo de concreto também é mais denso e durável, características essenciais para enfrentar o ambiente agressivo à beira-mar.
Inovação contínua e desafios urbanos
O projeto do arranha-céu Senna Tower, que vai passar dos 500 metros, representa um grande passo à frente. Ele introduz uma nova tecnologia, a estaca Auger Caster, que será diretamente fixada na rocha, criando uma conexão monolítica. A equipe envolvida é global, incluindo especialistas que ajudaram a projetar o Burj Khalifa.
Contudo, Balneário Camboriú enfrenta desafios relacionados à sustentabilidade urbana e ao meio ambiente. O crescimento rápido pode pressionar a infraestrutura e gerar impactos, como o sombreamento das praias, levantando debates entre a população. A cidade também é vulnerável às mudanças climáticas.
No futuro, a expectativa é de edifícios ainda mais inteligentes. O Senna Tower, por exemplo, contará com um sistema de monitoramento em tempo real, com fibra óptica. O modelo de Balneário Camboriú já começa a se expandir para cidades vizinhas, como Itapema, solidificando o litoral catarinense como um polo global de construção em altura.